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Yara Kilsztajn

Psicóloga Junguiana, especialista em Psicoterapia Corporal e Orientação Vocacional/Profissional.

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Trilogia do Pânico e Ansiedade Parte II: O mito do Deus Pã, um convite para pensar de forma profunda o transtorno do pânico

As lendas, os contos de fada e os mitos ajudam a agente a entender e a elaborar dificuldades comuns a todo ser humano por expressarem, em forma de história, emoções, dúvidas, experiências e formas diversas de enfrentar e lidar com as intempéries inerentes à vida.

Os mitos compartilham conosco os padrões humanos; seus desafios, medos e resoluções possíveis. Para a psicologia analítica, os Deuses são arquétipos do Inconsciente Coletivo, atuantes na psique humana, mesmo que de forma inconsciente, agindo muitas vezes abaixo da superfície. O que os antigos chamavam de Deuses, hoje nós chamamos de acaso, impulsos, instintos, sintomas, energias.

É o Deus Pã da mitologia grega que dá origem a palavra Pânico. Então, para nos auxiliar com esse tema – pânico – vamos pedir ajuda ao Mito de Pã. E, vale ressaltar aqui, que no reino do simbólico, dos mitos, não temos a precisão e a regularidade que estamos acostumados a encontrar nas ciências positivas, sujeitas às categorias de tempo, espaço e causalidade. É preciso suspender a forma de pensar mecanicista para penetrar na vivencia do emocional e do intuitivo.

Pã, em grego, significa “tudo”. O Deus Pã representa a Natureza; o Grande Todo, ao qual tudo se subordina, e a multiplicidade de formas e atributos. Ele apresenta um caráter mediador entre deuses e mortais e relaciona-se com as emoções e com o inconsciente.

Ele é um monstro, metade animal, metade humano, representando, assim, nossa dupla natureza, a instintiva animal e a espiritual humana. Sua figura assusta e provoca horror, que pode ser vista como o medo que nos causa o irracional e o inconsciente. Então podemos, a partir da simbologia de Pã, nos perguntar: eu tenho pânico do quê? O que dentro de mim me causa tanto terror? Que parte minha irracional e inconsciente me dá tanto medo?

Ele tem chifres, orelhas e pernas de bode e está associado a outro Deus, Dionísio, deus do êxtase, do prazer, dos delírios orgásticos, da dança e da loucura. Pã, desde os tempos mais remotos, está associado a sexualidade desenfreada e ao estupro. Simbolicamente podemos pensar num conteúdo interno nosso, irracional e inconsciente, que de repente ameaça aflorar, tornar-se consciente, ultrapassar os limites do nosso “política, moral e socialmente correto”… isso nos assusta imensamente… e disso nasce o pânico, o medo dos nossos próprios desejos e anseios. Não estamos falando aqui de desejos sexuais concretos (apesar de podermos estar, sim, em alguns casos, falando deles), mas da sexualidade simbólica, que pode representar inúmeros tipos de desejos: desejos de rupturas, de poder, de destrutividade, de aceitação de características nossas que nossos familiares condenam (como o caso de querer trabalhar com algo mal visto por eles; querer ser um educador físico numa família de sociólogos acadêmicos preconceituosos, por exemplo) etc.

Esses desejos internos inconscientes podem ser tão contrários a nossa consciência que, ao ousarem emergir, tomamo-los como um estupro ao nosso eu consciente. Por isso o pânico.

Nessas situações, nossa consciência, nosso eu consciente, identifica-se com as ninfas (espíritos naturais femininos, leves e delicadas) da mitologia grega. Nos mitos há diversos relatos do deus Pã perseguir e estuprar as ninfas. A ninfa Eco, por exemplo, diante da tentativa de Pã em violenta-la, é tomada de pânico e passa a repetir tudo o que ouvia, ficando sem identidade própria. As ninfas são símbolos dos aspectos da nossa natureza psíquica feminina (presente em mulheres e homens) que, perante a violência dos impulsos (personificados por Pã) regridem ou tornam-se desvitalizados.

Pã é o deus dos pastores, dos rebanhos e da vida animal; habitava os lugares ermos e desolados e, simbolicamente, associa-se também ao abandono, solidão, separação e isolamento.

O perfil clássico do indivíduo que apresenta transtorno do pânico

No caos do dia a dia moderno deparamo-nos com diversos desafios. Cada um de nós reage às dificuldades encontradas pelos caminhos da vida de uma forma: uns psicossomatizam, adoecem (gastrite, enxaqueca etc.), outros têm ataques de raiva, uns deprimem… alguns por longos períodos, outros em momentos pontuais da vida. E há aqueles que apresentam crises de ansiedade e pânico.

Segundo Glauco Ulson, analista junguiano, é comum encontrarmos na história de vida desses últimos um sentimento de distanciamento entre seus familiares. A família de origem destes costuma ser fragmentada e/ou sofrer constante ameaça de desmembramento, sendo que o indivíduo, quando criança, vivencia essa realidade familiar com ansiedade, angústia e depressão. A comunicação entre os pais e esses indivíduos geralmente se apresentou de forma insatisfatória, gerando grande insegurança e, a partir disso, um tipo de personalidade insegura e imatura em que o medo está quase sempre presente. Muitas vezes esses pais, ou cuidadores, também eram inseguros, fóbicos e ansiosos, transmitindo aos filhos a ideia de um mundo cheio de perigos e ameaças. Há o medo do abandono e, junto a este, atitudes superprotetoras por parte dos pais ou de um deles.

Ainda segundo Ulson, pessoas com transtorno de ansiedade e do pânico manifestam grande insegurança perante situações desconhecidas desde pequenos. São pessoas que procuram se defender de tudo, mantendo tudo sobre exagerado controle, evitando expor-se ao novo e ao imprevisto. Têm uma personalidade rígida e dependente, buscando proteção em pessoas mais velhas e seguras. Tentam evitar a todo custo a separação de tais pessoas a fim de se protegerem de situações de abandono ou solidão.

São indivíduos que geralmente apresentam pais fracos, distantes ou ausentes; violentos ou temperamentais; o que teria dificultado a integração, no individuo, dos aspectos relacionados a segurança, firmeza, proteção e poder (aspectos do Arquétipo Paterno Positivo, presente em homens e mulheres). A não integração desses aspectos faz com que essas pessoas se sintam impotentes, medrosas e incapazes de lidar com conflitos porque lhes faltam coragem, força e firmeza.

Essas pessoas necessitam do apoio e da energia feminina do Arquétipo da Grande Mãe (presente em homens e mulheres), mas, ao mesmo tempo, têm ódio e temor por essa situação. Isso, pois o indivíduo deseja ser nutrido e protegido, mas teme a opressão, a castração e a estagnação (todos esses aspectos presentes no Arquétipo da Mãe).

Às vezes pessoas com essas características desenvolvem uma “persona”, uma máscara que esconde seus reais traços de fraqueza e vulnerabilidade, mostrando-se aos outros (e muitas vezes para si mesmas!) como extremamente fortes, seguras, determinadas, com grande capacidade de ação. Mas, basta surgir uma situação um pouco mais difícil para que essa máscara caia e as fraquezas apareçam. É fundamental, ao nos depararmos com crises de pânico e ansiedade, olharmos de forma profunda para os diversos aspectos de nossa personalidade e de nossa história. A psicoterapia auxilia o indivíduo nesse percurso. Um percurso muitas vezes dolorido, mas, se percorrido com empenho e com o apoio adequado, é extremamente transformador, recompensador e tranquilizador.

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