O MEDO, A CORAGEM, A ANGÚSTIA E A LIBERDADE PARA MUDAR
Coragem para mudar, angústia e liberdade de escolha, coragem de errar
“O pensar protege contra o erro, mas conduz à petrificação […] Aquele que prefere pensar a sentir deixa seu sentimento apodrecer na escuridão. Ele não amadurece” (Jung, “O Livro Vermelho”).
Aprendemos mais com nossos erros ou com nossos acertos? As teorias são controversas, mas, antes de ser bom ou ruim, errar é essencial para o aprendizado. Segundo Piaget (psicólogo que formulou uma das mais importantes e influentes teorias do desenvolvimento infantil), é na tentativa e erro que aprendemos, como indivíduos e como espécie, como fazer: o bebê aprende a pegar um sabonete escorregadio, ou uma criança aprende a amarrar seus sapatos na tentativa e erro. A maneira como lidamos com nossos erros e como somos ou não estimulados a tentar, apesar deles, torna o indivíduo mais ou menos tímido, mais ou menos ousado diante da vida. Muitas vezes é necessário ser mais tímido, mais precavido, outras, mais ousado. O ideal é que possamos ter a maior possibilidade de escolha possível frente a cada nova situação que a vida nos apresenta.
Avaliar as possibilidades, os riscos e as consequências é importante para se fazer a melhor escolha possível naquele momento. Avaliar a chance de dar certo, o tamanho do dano a ser causado se der errado, o tamanho do bem se der certo, é algo a ser considerado. Por exemplo, se eu for um sujeito tímido, com dificuldade de falar em público, propor-me, em 2020 (promessa de ano novo!!), a dar uma palestra sobre o meu serviço em uma empresa é um desafio de nível médio. O dano, na pior das hipóteses, é relativamente baixo: podem falar mal de mim, me julgarem, não comprarem o serviço que estou oferecendo. Se tudo der certo, podem comprar meu serviço, me indicar para outras empresas, fazendo com que meu negócio cresça, desenvolvendo minha autoestima e minha segurança em falar em público. O que considero um ótimo resultado. O desafio é médio. O dono baixo, o ganho alto… um risco que, ao meu ver, vale a pena ser encarado.
Mas meu desafio pode ser alto, como largar meu emprego CLT, estudar e planejar muito para abrir um negócio próprio com que sempre sonhei. Nesse caso o risco também é alto, a pior das hipóteses pode me deixar sem trabalho e sem dinheiro se, por exemplo, meu negócio falir. Se tudo der certo, por outro lado, ganho dinheiro fazendo o que gosto, realizando-me pessoal e profissionalmente, um ótimo ganho. Vale o risco? Como saber?
É importante avaliar as possibilidades, mas às vezes avaliá-las não nos traz a resposta. Então deixamos nosso pensamento logico de lado e buscamos seguir nossa intuição: o que nosso coração nos diz? Podemos estimular nossa intuição, nosso inconsciente criativo: a psicoterapia, estimulando o hemisfério direito do cérebro através da fala não racional, do olhar, dos sonhos, da meditação, de trabalhos corporais e atividades plásticas, ajudam a nos conectarmos com essa outra “dimensão”, a dimensão intuitiva, criativa. As respostas não analíticas vêm para complementar, para auxiliar o indivíduo no seu dilema.
Mas será que nossa intuição sempre nos mostra o “caminho certo”? Von Franz, terapeuta junguiana, diz que nem sempre, mesmo porque algumas vezes é difícil distinguir intuição genuína da manifestação da mente racional disfarçada (mecanismo defensivo exagerado a favor da não ação por medo, por exemplo). Como eu já coloquei antes, não temos controle sobre tudo, apenas desejamos tê-lo.
Então, às vezes é necessário, após ponderar o que for possível, não levar tudo tão a sério e se jogar. Ousar é saudável e necessário, tendo sucesso ou não. Os bebes “engatinhantes” ousam se levantar e andar a todo instante: ousar é um instinto de vida inerente a todo ser humano! É preciso dar espaço a esse impulso de ousar para nos desenvolvermos, para vivermos nossas vidas ao invés de passarmos pela vida meramente sobrevivendo.
Mas outra vez venho confrontar: as vezes o ato de coragem não é em mudar, há aqueles que sempre mudam, a todo segundo. Talvez para esses, o ato de coragem seja justamente o oposto, seja permanecer. A coragem em ousar ficar, em enfrentar a situação, sustentar atenção desconfortável em que se encontra. Arriscar-se ao novo é também permanecer aonde está. Por exemplo, para uma mulher que a todo conflito conjugal rompe com seu parceiro em busca de uma nova relação que a “satisfaça” e que a “enriqueça” mais emocionalmente, a coragem pode ser frear seu impulso de sair correndo e ficar com seu parceiro. A coragem seria enfrentar o desafio de buscar satisfação e enriquecimento emocional na troca, na presença e nas dificuldades que esse relacionamento lhe traz.
O arriscar-se, o confortável, o conhecido e o desconhecido pode ser lá longe, ou aqui mesmo, bem pertinho ou mesmo dentro de nós. E não temos uma bola de cristal para nos aconselhar certeiramente o “caminho certo”. É preciso ter coragem de errar para viver. Ou, ouso dizer, viver é uma eterna coragem de errar, estando consciente ou não desta afirmação e das escolhas que fazemos, dia a pós dia, e dia-a-dia.
Ousar mudar, ousar ficar, ousar errar: isso é um ato de coragem por si só.