A IMPORTÂNCIA DO CORPO, DO RELACIONAR-SE COM O OUTRO E DO MOVIMENTO PARA PODERMOS VIVER PLENAMENTE

“’Se nenhuma aventura exterior acontece com você, então também não acontecerá aventura interior’: o caminho de desenvolvimento não pode prescindir da vida concreta, existencial” (Jung apud Guerra)

– Memórias implícitas: memórias não acessíveis a nossa consciência, mas que interferem nela a todo instante

Segundo Wilkinson, estudioso da neurobiologia, as lembranças são formadas quando grupos de neurônios são estimulados simultaneamente e estabelecem determinado padrão neural, que continua após o termino do estimulo. O hemisfério direito contém a forma de memória de longo prazo que é menos conhecida. Ela grava experiências de forma implícita e incorporada. A memória implícita é o que se forma no bebê antes da formação do ego, na fase pré-verbal, não acessível à consciência. Experiencias extremamente traumáticas, por assim o serem, também podem ser registradas apenas na memória implícita mesmo quando jovens ou adultos.

Essas memórias não podem ser acessadas conscientemente e não são gravadas como narrativas lineares de algo que ocorreu no passado. Em vez disso, quando algo desencadeia a memória implícita, nós respondemos de forma incorporada, repetindo o padrão de comportamento que foi aprendido no momento em que a memória foi consolidada. Todas as experiencias gravadas durante os três primeiros anos de vida ficam registrados de forma implícita pelo simples motivo que o hemisfério esquerdo ainda não está ‘ligado’. É a memória implícita, formada no contexto dos nossos primeiros relacionamentos sociais e emocionais, que estabelece o modo como vamos nos relacionar com outras pessoas ao longo da vida.

Similarmente, em tempos de perigo, as memorias que se consolidam são principalmente implícitas. Intensificadas pela atividade da amidala direita (o sistema alerta), aumentam a formação da memória implícita, porem inibem a consolidação da memória explicita, uma vez que o hipocampo é desativado. Como resultado as memorias não podem ser conscientemente acessadas, e sem tal percepção até fatores estressantes interpessoais podem ativar experiencias emocionais não moduladas que foram impressas nos circuitos neurais do cérebro direito (Wilkinson, 2010).

A grande importância da psicoterapia aliada ao trabalho corporal é que esta possibilita o acesso e a reelaboração dessas experiencias.

– Por que é tão importante e transformador trabalharmos o corpo e o relacionar-se com o outro num processo psicoterapêutico?

Quando se trabalha diretamente com o corpo e com o relacionar-se com o outro, em um ambiente seguro, onde o ego pode relaxar seus mecanismos de defesa e confiar no processo, pode-se tocar e transformar as memórias implícitas registradas no corpo. Por isso é tão importante e crucial um processo terapêutico que inclua estas duas vivências além da verbal e analítica (relacionada com o hemisfério esquerdo do cérebro, mais comum e mais aceita em nossa cultura), porque algumas experiências só podem ser tocadas e, assim, ressignificadas e reelaboradas a partir do corpo e da relação com o outro. Elas muitas vezes não estão registradas no córtex, estão espalhadas por todo o corpo.

Quando o que é lembrado implicitamente se torna explícito o indivíduo é liberto para que viva o presente, ao invés de ficar revivendo eternamente sua experiência passada.

A importância do relacionar-se não para aqui, já que, na relação com o outro, num contexto terapêutico, o indivíduo é convidado a desenvolver empatia e alteridade. A consciência de alteridade faz dialogar os opostos e integra o outro, em vez de afastá-lo.

– Fazer corpo e aprender a mover para poder viver

As pessoas precisam criar corpo para viverem a vida como ela é. Não é saudável diminuir a vida para, assim, controla-la e fazê-la caber no corpo. É o corpo vivo que sustenta as polaridades da vida! Para sentir a vida dentro de si, o indivíduo precisa entrar no fluxo da vida. É muito difícil aprender a viver esse fluxo porque a sociedade vende uma história de que a vida é um “potinho”, que ela não muda. Criamos tensões e couraças para manter a vida parada. Mas couraça não é proteção quando exagerada, neste caso ela é uma armadura, que o próprio indivíduo usa para aprisionar a si mesmo e ao outro… para que nada mude.

Mover é criar espaço para o movimento acontecer. E a experiência dá corpo para o indivíduo viver o “não sei”, por que a vida é um eterno “não sei”: a proposta pode ser arriscar-se. É importante que se saiba mover mesmo na dúvida; poder mover na transição, não precisar ficar numa coisa ou na outra. E é importante também aprender a mover-se com obstáculos, apreender os obstáculos dentro de si, não os tirar de cena e, sim, poder misturar-se e mover-se com os obstáculos da vida!

Para conhecer mais sobre psicoterapia com abordagem corporal ou sobre vivencias corporais e de interação interpessoal, entre em contato comigo.

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A BUSCA DAQUILO QUE NOS FALTA: A DIFERENÇA ENTRE COBRANÇA EXCESSIVA E IMPULSO DE VIDA

Desperto com uma ansiedade pequena: “está tudo bem?”, “preciso fazer alguma coisa que não estou fazendo?”, “alguma coisa que não estou cuidando de forma adequada?”, pergunto a mim mesma.

Passa uma lista na minha cabeça: o que não está bem? Filhos? Trabalho? Coisas que preciso arrumar na minha casa e que não arrumei? O que eu tinha ou tenho que fazer, dar atenção, cuidar e que não fiz, não dei atenção, não cuidei? Algo tem que estar errado, algo deve estar errado, devo estar “devendo” algo. Cobrança excessiva!! Mal acordei e já me sinto exausta.

Essa pequena ansiedade, se constante, é extremante prejudicial (que dirá uma grande ansiedade) e cada vez mais comum entre a população das grande e pequenas cidades brasileiras.

Sempre temos algo a fazer que não fizemos e que não podemos fazer… ainda bem!! Ainda bem porque isso é viver, essa é a graça, ou ao menos uma das graças da vida: sonhar, buscar, conquistar coisas novas, percorrer novas ideias (internas e externas) que nos levam a “mares nunca d’antes navegados”. Isso é impulso de vida!!

Mas, quando isso vira uma obsessão, uma cobrança sem fim, sem pausa, sem descanso, ai temos um problema!!

Burnout, estresse, doenças psicossomáticas, depressão, baixa autoestima, ansiedade alta, ataques de raiva e autodepreciação são bons exemplos de caminhos sombrios que essa obsessão pode nos levar.

Como posso saber se estou tendo esse tipo de comportamento autodestrutivo?

Um bom sinal de que estamos presos nesse tipo de comportamento é quando percebemos que estamos exigindo de nós mesmos, constantemente, já estarmos lá no final da jornada. Quando olhamos para o horizonte e, ao invés de desejá-lo com prazer e possibilidade, olhamo-lo como algo inalcançável devido a uma falha nossa; ou como algo que devemos lutar sempre e exaustivamente para chegar, mesmo se for necessário sacrificar nossa saúde física e mental, sacrificando constantemente nosso prazer e conforto.

É importante fazermos as pazes com o desejar, encontrar e nos reconectarmos com o desejar que é um estimulo para o viver, e não um desejar carrasco que nos açoita constantemente, durante o dia, antes de dormir, no meio da noite, nas insônias frequentes do dia-a-dia que passamos, erradamente, a considerar como “normais”.

Como posso me reconectar o “desejar saudável”?

Falta, medo, inveja, raiva, desilusões, frustrações etc. podem, sim, muitas vezes nos acompanhar em nossa jornada rumo ao desejado. Mas, apesar desses inevitáveis “acompanhantes”, podemos viver nossas buscas com prazer.

– Olhar para o que já conquistamos, reconhecer nossas vitórias, mesmo que pequenas, é fundamental!

– Reconhecer nossas qualidades

– Rever os desafios já vividos, identificando atitudes e situações favoráveis e desfavoráveis

– Reelaborar dores, traumas e frustrações antigas

– Atualizar conceitos que temos de nós mesmos, de situações passadas e conceitos morais

– Discriminar e desapegar-se do que não nos serve mais, sejam atitudes, crenças, estilo de vida ou relacionamentos

– Perguntarmos, honestamente, a nós mesmos o que realmente nos dá prazer e nos faz rir

– Observarmos nossos sentimentos, nossas sensações corporais e nossas atitudes frente aos nossos desejos

Essas são apenas algumas dicas de como podemos encontrar uma forma de caminhar pelo mundo com mais prazer.

Observar e ressignificar nossa forma de estar e viver a vida promove resiliência (que é, diga-se de passagem, passar por momentos difíceis com ganhos pessoais, e não apenas suportando os momentos difíceis). Rever, atualizar e olharmos para nossa história de forma mais afetiva e acolhedora favorece mudanças, traz flexibilidade e movimento para seguirmos adiante com mais prazer e criatividade.

Poder caminhar pela vida sem tanto estresse, sem tanta ansiedade e sem uma autocobrança excessiva, que corrói a “alma”, é fundamental para saúde física, mental, emocional e espiritual. A psicoterapia auxilia imensamente o indivíduo nesse processo de busca e conquista continua que é a vida. A psicoterapia ajuda-o a se reconectar com seu impulso de vida, com uma forma de buscar o desejado de maneira instigante e, ao mesmo tempo, mais tranquila, prazerosa e saudável.

Qual o seu sonho hoje? O que te fez sorrir hoje? Onde está seu horizonte? O que você anda encontrando e dando atenção enquanto caminha?

Poder Pessoal versus Poder Opressivo – Parte 1

O que é “poder”?

Quando estamos falando de relações afetivas, profissionais, autoestima etc. usamos a palavra poder de formas distintas e, muitas vezes, não nos perguntamos em que sentindo a estamos usando (verbal, emocional e comportamentalmente). O dicionário Michaelis nos apresenta diversas definições de “poder”, entre elas:

  1. Capacidade ou habilidade de executar algo
  2. Força física ou moral
  3. Imposição de obediência
  4. Controle total
  5. Grande influência
  6. Domínio exercido sobre algo
  7. Total superioridade para governar
  8. Eficácia em resultados
  9. Forma utilizada para superar uma situação de grande dificuldade; recurso
  10. Disposição natural ou adquirida para exercer qualquer atividade
  11. Quantidade superior ao necessário

Aqui iremos abordar o poder basicamente em duas de suas vertentes e esclarecer a diferença entre elas. Temos o “poder” relacionado à possibilidade, capacidade, liberdade: eu posso fazer, pensar, sentir, conquistar meus sonhos. E temos o “poder” relacionado à opressão, domínio e controle: eu tenho poder sobre outro individuo, sobre uma situação ou instinto. No primeiro caso temos o poder associado ao poder pessoal (termo muito usado por coaches e pela psicologia positiva); no segundo temos o poder associado a relações abusivas e ligadas a competitividade e sentimentos de inferioridade e superioridade.

Quando estamos realmente integrados ao nosso centro de poder, este se manifesta na forma de “poder pessoal”; mas quando não estamos integrados com este centro, o poder manifesta-se de forma distorcida, ou seja, como “poder opressivo”, competitivo e destrutivo.

Terceiro Chakra: o centro energético do poder

Várias linhas psicológicas, filosóficas e medicinais, orientais e, mais recentemente, ocidentais (incluindo aqui a psicologia de Jung) incluem em seus estudos e paradigmas os denominados Chakras.

O que são Chakras?

Os Chakras podem ser definidos como centros de energia que coletam, transmutam e redistribuem as energias através dos Nadis (formação de energia na forma de canal na qual o Prana flui) e expressam-se de forma densa no nosso corpo (nas glândulas). Temos vários Chakras no nosso corpo, sendo sete deles considerados os mais importantes, dado seu alto grau de concentração e potência energética.

Características do chakra relacionado ao poder

O terceiro Chakra, chamado de Manipura, é o nosso centro energético relacionado ao poder. Está localizado no plexo solar (“bola de luz”), próximo a região do estomago e do diafragma; relaciona-se com a vontade, com o desejo, com o eu, com o ego, com as emoções. É o centro da vida física, do querer, do ter, do poder, do desejar. Este centro é associado ao progresso e ao desenvolvimento. A criatividade deste Chakra é pertinente ao ego, ao afirmar-se enquanto pessoa. Seu elemento é o fogo, está associado a uma energia magnética e a palavra chave é “eu sou”.

Ação, individualidade e autoestima são outras características ligadas a este centro energético.

Quando nosso centro de poder está equilibrado?

Este centro energético relaciona-se com a autoafirmação e com a auto realização. Se bem equilibrado impulsiona o indivíduo a reconhecer seu próprio valor e a ir atrás do que realmente quer, sem medo do julgamento alheio, sem se preocupar com o que os outros possam pensar.

Quando o indivíduo expressa sua própria energia, seu poder, com integridade ele respeita, também, o poder dos outros. Integrados com nosso próprio poder e com nossa própria integridade, expandimos nossa própria energia e a colocamos para fora, para o mundo.

O uso exagerado da palavra “próprio(a)” no paragrafo anterior é proposital e tem como objetivo enfatizar o fato do “poder pessoal” estar relacionado unicamente à energia de poder do individuo, com a conexão deste com essa energia, não tendo relação alguma com os outros. Ou seja, o poder pessoal não está vinculado, se devidamente equilibrado, com comportamentos e sentimentos de comparação (inferioridade/superioridade) e domínio (abusador/abusado).

Geralmente a expressão sadia desse centro de poder está de alguma forma associada ao proposito de vida da pessoa, daquilo que ela pode oferecer para o mundo e para sociedade. E, ao fazer isto, a pessoa encontra-se “relaxada” e não tensa, ansiosa ou preocupada em ser aceita, recriminada ou aplaudida pela sociedade.

Quando nosso centro de poder está desequilibrado?

Mas quando não somos capazes de expressar e expandir essa energia, o nosso poder pessoal, somos tomados por ondas emocionais de raiva, vergonha, agressividade, agressão e/ou violência. Isso ocorre porque nosso poder não está funcionando de maneira integrada.

É comum, então, que o indivíduo comece a julgar a si mesmo e ao outro. Às vezes as críticas tomam uma proporção gigantesca, em intensidade e frequência, atrapalhando a vida afetiva e profissional da pessoa, podendo chegar, por exemplo, a um divórcio ou a uma demissão. Essa critica excessiva também, como foi apontado acima, pode recair sobre o próprio indivíduo. É aquela voz interna cobradora, que não nos deixa em paz, mesmo quando racionalmente sabemos que “não estamos fazendo nada de errado”. Uma voz carrasca e julgadora que nos enlouquece, nos enfraquece e nos perturba até durante nosso sono.

Oprimimos o outro ou a nós mesmos de forma brusca e ríspida, desrespeitosa e destrutiva. Ficamos presos na díade dominante e dominado, superior e inferior, preocupados em saber quem manda em quem, quem é o mais forte. Suicídios muitas vezes estão ligados a uma dificuldade do indivíduo lidar com essa voz interna que o atormenta, compara e exige perfeição. Relacionamentos abusivos como a violência doméstica, que não raro leva ao assassinato, é um clássico exemplo de relações em que as pessoas envolvidas estão desintegradas do seu centro de poder. E, vale ressaltar, que não são só as pessoas diretamente envolvidas, mas toda uma sociedade que se encontra desintegrada desse centro de poder, levando-o a se manifestar de forma distorcida e insalubre.

Entramos num jogo de poder em que o importante é fazer valer nossa vontade e nossa forma de ver o mundo, não escutando o outro e apenas desejando subjuga-lo e deprecia-lo. Nesse momento de pandemia, quarentena e polarização política, podemos encontrar diversos exemplos desse comportamento entre os brasileiros.

Como uma respiração: cheio de poder – com pouco poder

Se equilibrado, nosso centro de poder nos permite encontrar pela vida momentos em que estamos repletos dele e momentos em que estamos mais esvaziados. Às vezes estamos cheios de poder, noutras situações ou momentos da vida estamos com pouco poder. Isso é normal, é o esperado, é o ritmo natural da vida, como uma respiração: alternando pulmão repleto de ar, pulmão vazio; muito poder num momento, pouco poder em outro.

E tudo bem estar com pouco poder em alguns momentos da vida, nesses momentos você pode receber do outro, que está pleno de poder. Lembrando que não estamos aqui falando do poder opressivo.

É necessário aceitarmos nosso poder em determinadas situações e nosso pouco poder em outras. Mas temos dificuldade de viver esse movimento, essa “respiração”. Muitas vezes temos medo de ficarmos “vazios de poder” para sempre e, assim, prendemos a respiração, o ar não entra nem sai… Ou seja, ironicamente, podemos ficar sem poder por um longo tempo porque paramos nossa respiração justamente ao experimentarmos um pouco desse vazio (sem poder). Então, amedrontados, endurecemos nosso “diafragma” e nenhum ar (poder) entra, nem sai. Ficamos sem movimento, sem ar, sem poder, sem vida.

Mas, ao relaxarmos, ao nos desconectarmos do medo e da necessidade opressiva do controle, a respiração “muito poder-pouco poder” pode voltar a seguir seu ritmo natural e, assim, podemos respirar poder novamente.

Noutras situações paralisamos nossa respiração com os pulmões cheios de ar, de poder. Nos apegamos ao poder e não queremos deixa-lo sair de nós. Impedimos mais uma vez o movimento natural e nossa conexão com essa energia, ao não ser reciclada, acaba por gerar uma distorção para com ela. Ao não expirarmos acabamos por subjugar o outro, a trata-lo como um inimigo, como se ele fosse o responsável por nossa possível perda de energia de poder. Chegamos, não raramente, no limite de agredir e destruir aqueles que amamos, tamanho é o medo de ficarmos sem ar, sem poder, por um espaço de tempo demasiado.

Há também muitas pessoas que, inconscientemente, auto boicotam sua conexão com seu poder pessoal, por culpa, medo e outros sentimentos que tomam conta do nosso ser. Não raro recebo em meu consultório pessoas que queixam-se de se sentirem fracas, sem poder e que gostariam de acessá-lo mas que, logo no início das sessões de psicoterapia, fica claro como seguram e reprimem sua conexão e a expressão de seu poder pessoal. Algumas vezes é o medo de ofuscar o brilho do outro e, por isso, deixar de ser amado por esse outro; noutras vezes é a angustia de ser julgado e excluído de um grupo de amigos e familiares se expressar seu potencial; noutras ainda, a pessoa reprime esse poder por não se sentir grande o suficiente para se colocar no mundo, lutando inconscientemente para permanecer numa posição de criança, filho e aprendiz.

É preciso de coragem para respirar. A psicoterapia auxilia as pessoas a inspirarem e a expirarem de forma natural e saudável. Ela auxilia o indivíduo a se conectar e a expressar o seu poder interno, favorecendo uma vida mais plena, construtiva, viva e harmoniosa.

Sentimento de superioridade e sentimento de inferioridade

É muito comum confundirmos “muito poder” com superioridade e “pouco poder” com inferioridade. Mas, estar com muito poder não é ser superior, assim como estar com pouco poder não é ser inferior. Quando estamos nesse “modo operando” de comparação, estamos com nosso centro energético de poder desequilibrado distorcido.

É importante ficar claro que estar conectado com o seu poder é sentir e expressar “aquilo que te faz grande”, e não superior. É sentir e expressar sua inteligência, seu amor, seus talentos. Com ele integrado sentimos a satisfação, plenitude, liberdade e tranquilidade. Quando cheios de poder podemos oferecer para nós mesmos e para aqueles que nos cercam as nossas potencialidades, aquelas próprias de cada um (pode ser, por exemplo, a capacidade de aceitação, capacidade de resolver problemas concretos, habilidade em cuidar, de construir uma casa, de embelezar um espaço e/ou a vida, de trazer alegria etc.).

PODER

EQUILIBRADO   DESEQUILIBRADO
Responsabilidade (habilidade em lidar com o que está acontecendo em nossa vida) Delegamos responsabilidade aos outros (culpamos o outro quando as coisas não estão acontecendo da forma que gostaríamos que acontecessem)
Boa auto estima Baixa auto estima (ficamos nos comparando aos outros)
Autoconfiança (sentimos uma estabilidade com relação ao nosso poder pessoal) Não temos confiança em nós mesmos
Boa auto disciplina Comportamento extremamente autoritário com nós mesmos e/ou com os outros (manipulações etc.0
Boa capacidade de tomar riscos Extremamente passivos ou muito controladores

A psicoterapia e a psicoterapia com abordagem corporal auxiliam-nos a nos conectar com nosso centro de poder pessoal, a equilibrá-lo e a expressá-lo de forma construtiva através de vivencias corporais e reflexões.

Poder Pessoal versus Poder Opressivo – Parte 2

O Amor e o Poder Distorcido nos Relacionamentos Afetivos

“Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro.” (Jung).

Jung, renomado psicoterapeuta, diz que o oposto do amor não é o ódio, mas o poder. Sim, o poder, mas aqui ele está falando do poder distorcido, do poder que oprime, julga e compete.

Embora os relacionamentos aconteçam em nome do amor, o poder distorcido ainda vem ocupando uma parte central no relacionamento afetivo das pessoas, seja entre casais de namorados, marido e mulher, pais e filhos ou mesmo entre amigos. Às vezes um dos parceiros chega, através da força física, manipulação ou assedio moral, a coibir o outro a tomar decisões ou mesmo emitir suas opiniões. Mesmo em casos mais sutis, valer-se do poder opressivo é uma violência e um desrespeito para com o outro.

Muitas vezes queremos que o outro satisfaça as nossas expectativas e nossas vontades. Nesses casos, o objetivo real da relação não é promover o bem-estar desta (relações conjugais, parentais ou de amizade) e, sim, promover um bem-estar pessoal, a partir do controle e do domínio do outro.

Um número grande de pessoas acredita que é preciso “ter” para ser feliz e olha o outro como um objeto. Para essas pessoas, consciente ou inconscientemente, o passo seguinte é, obviamente, buscar controlar este “objeto”, já que o outro faz parte da sua lista de conquistas. Muitos casais acabam, então, disputando quem tem mais força e poder afim de subjugar seu parceiro e controlá-lo.

Podemos dizer que o contrário de amar é querer controlar o outro; é tirar-lhe a liberdade para que ele não seja mais quem é e não faça mais o que quer. Quanto mais alguém se apodera de outra pessoa mais a impede de ser um legítimo outro. Aqui não temos amor. Essas são relações baseadas no poder distorcido e aquele que fica desprovido de si mesmo, de seu poder pessoal, passa a viver uma “morte em vida”. Ele vira um morto vivo, distante de sua energia vital e longe de suas realizações pessoais. Ele perderá identidade, individualidade e vida, moldando-se a padrões que não são os seus.

Relações em que encontramos o ciúme excessivo em seu cerne são um ótimo e triste exemplo de casos como este e devem ser tratados.

Infelizmente, confundimos muito as relações de poder opressiva com amor, nos colocamos numa posição de domínio que tende sempre a degradar a outra parte. Dessa forma, a relação não se pauta mais na admiração, respeito e no companheirismo. As pessoas envolvidas nesse tipo de relacionamento ficam preocupadas em atacar a autonomia do outro.

É de extrema importância estarmos sempre atentos em como estamos nos relacionando e, caso necessário, a ajuda de um psicoterapeuta é essencial. A psicoterapia individual e a psicoterapia de casal auxiliam as pessoas a trilharem o caminho de uma relação mais saudável e verdadeiramente amorosa.

Poder Pessoal versus Poder Opressivo – Parte 3

Integrar seu próprio poder é um caminho

Coragem é pensar por si mesmo. em voz alta

Capacidade de ação

Falar do poder pessoal, do poder integrado, vai muito além e na direção oposta do jogo de poder e da opressão. Estar integrado ao nosso poder também não é, tão pouco, “poder tudo”, mas poder, vez ou outra, tocá-lo, encontrá-lo dentro de nós, senti-lo e desenvolve-lo. Reconhecer e nos conectarmos a ele nos permite, de forma ética, expressá-lo e utilizá-lo para buscar no mundo aquilo que nos interessa, aquilo que almejamos para nós mesmos e aquilo que desejamos oferecer para o mundo.

O poder pessoal está ligado com autoestima, com a capacidade de reconhecermos nossa força pessoal, nossas qualidades, onde se encontram e, assim, toma-las para nós mesmos e utiliza-las no nosso dia-a-dia.

Encontrar e reconhecer nosso poder é fundamental para agirmos no mundo. Ele nos dá corpo, inteireza e a segurança necessária para fazer, agir, transformar, buscar e conquistar.

Ética

A ética aqui é espontaneamente considerada para que essa ação desejada e impulsionada pelo poder pessoal não prejudique o outro de forma desnecessária e desrespeitosa. Isso não significa, porém, não magoar o outro: nossas buscas, escolhas e ações nunca vão agradar a todos. Há limites éticos e morais, individuais, familiares e sociais. E é importante que o individuo descubra quais os seus e quais os do seu meio social. Temos aqui uma dança a ser aprendida e reaprendida dia após dia: do desejo e da liberdade individual com o respeito ao outro. Difícil tarefa, um desafio.

Fazer brilhar

Quando repletos de energia de poder integrado, nos expandimos, brilhamos, transbordamos nossas qualidades, encantamos e podemos ajudar, favorecer e inspirar os outros (desde que estes estejam abertos a receber). Não nos colocamos acima deles, não subjugamos e nem os colocamos na posição de inferiores e incapazes.

Para se perguntar: como você se relaciona com o Poder?

Você conhece seu poder?

Como você tem usado ele?

Ele está a serviço do que?

Como você se sente diante de alguém que está de posse do poder pessoal? Você se sente inferior? Vulnerável? Admira o outro? Compara-se a ele? Julga-se menos que ele?

E como você se sente quando está de posse do seu poder pessoal?

Você se permite acessar e viver seu poder pessoal? Você o aceita? Tem receio dele se manifestar de forma destrutiva?

Você sabe distinguir quando está de posse do seu real poder pessoal ou quando está conectado como poder em sua forma distorcida e que o leva a sentir-se superior?

Que tipo de poder você confere aos outros?

Quando o poder do outro te ameaça?

Você lembra de situações em que foi ameaçada e machucada pelo poder distorcido do outro?

E hoje, que situações de poder te sufocam e te machucam?

Como o subtítulo desse artigo diz, integrar o poder pessoal é um caminho. É papel da psicoterapia ajudar as pessoas a trilharem este caminho. Se estas questões tocaram você, leia os demais artigos dessa trilogia (Poder – poder pessoal versos poder opressivo) e, caso sinta vontade, entre em contato comigo.

TRILOGIA – O CURADOR INTERNO E O PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO PARTE III: APRENDENDO A SENTIR, A MOVER E A RELACIONAR-SE

“Quanto mais fundo as raízes da árvore entram na terra, mais alto os galhos se colocam em direção ao céu” (Marion Woodman).

Aprender a sentir – entrando em contato com nossos sentimentos

Geralmente as pessoas não sabem como realmente sentir. Elas sabem como pensar. A maioria de nós está quase permanentemente pensando. Querendo ou não, nossas mentes não se calam. Passamos muitas horas da nossa infância, adolescência e juventude sentados em carteiras aprendendo a pensar, a analisar. Depois, já adultos, em nosso trabalho, geralmente somos pagos para, sentados, ficarmos novamente horas e horas a fio pensando e analisando algo. Aprendemos e somos muito estimulados a pensar, mas ninguém nos ensina a sentir, nem nosso corpo, nem nossas emoções.

Então, para a maioria das pessoas, uma das primeiras coisas a ser trabalhada no processo psicoterapêutico é a habilidade sentir: perceber o que sente, como sentir, dar nome ao que sente.

Ao nos abrirmos para o sentir podemos, inevitavelmente, permitir que sentimentos dolorosos aflorem. O desafio neste ponto é permitir que eles emergem sem tentarmos modificá-los, pois assim, e só assim, eles podem ser integrados. Normalmente as pessoas tentam se livrar de sentimentos dolorosos, isso faz com que eles fiquem presos no mesmo lugar, “para sempre”, surgindo vez ou outra de forma extremamente inoportuna e descontrolada (como numa crise de pânico, por exemplo) ou agindo “por baixo da moita” cotidianamente (boicotando nosso desempenho profissional, por exemplo). Um bom vinculo psicoterapêutico com um profissional qualificado auxilia o indivíduo a abrir-se a tais sentimentos dolorosos, encará-los e integrá-los de forma saudável à sua psique.

“A honestidade crua de uma imagem do inconsciente pode nos deixar mudos com lagrimas ou risadas, muitas vezes com os dois, porque a imagem se move naquela linha tênue do absurdo entre a tragédia e a comedia. Se o ego pode assimilar o ponto de vista apresentado pelo inconsciente e ver a si mesmo objetivamente, então ele pode encontrar uma nova perspectiva. Ele pode observar a si mesmo sofrendo, mas ao mesmo tempo, experimentar o sofrimento como dores do parto. O ego que está se relacionando com a alma (pensamento com o lado direito do cérebro, se quiserem) é motivado a refletir as imagens oníricas na pintura, dança, canto. Escultura, escrita, permitindo assim que o processo de cura transforme em energia de vida o que de outra forma seriam imagens mortas” (Marrion Woodman).

As pessoas podem, então, aprender a desviar sua atenção do pensamento analítico para sensações e sentimentos, reconectando-se aos seus corpos e à sua capacidade de sentir prazer e sabedoria. Experiências surpreendentes de alegria e intimidade podem alternar com memórias de emoções dolorosas e “insights” profundos também podem acontecer. Permitindo todas essas experiências, permitindo-se sentir, a nossa capacidade de aceitar e integrar cresce. E uma vez que compreendemos que viver em vulnerabilidade é a nossa maior força, a intimidade conosco, com nossas emoções, sentimentos, desejos, medos e também a nossa intimidade com os outros tornam-se oportunidades maravilhosas para descobrir a nós mesmos e realmente encontrar bons parceiros (amores, amigos, colegas de trabalho etc.). A vida se torna uma aventura.

Aprender a mover – entrando em contato com a nossa energia vital

Para sentir a vida dentro de si, o indivíduo precisa entrar no fluxo da vida. E é muito difícil aprender a viver esse fluxo porque a sociedade vende uma história de que a vida é um “potinho”, que ela não muda. Criamos tensões e couraças para manter a vida parada. Mas couraça não é proteção quando exagerada, neste caso ela é uma armadura que o próprio indivíduo usa para aprisionar a si mesmo e ao outro… para que nada mude.

Mover é criar espaço para o movimento acontecer. E a experiência dá corpo para o indivíduo viver o “não sei”, por que a vida é um eterno “não sei”: a proposta pode ser arriscar-se. É importante que se saiba mover mesmo na dúvida; poder mover na transição, não precisar ficar numa coisa ou na outra. E é importante também aprender a mover-se com obstáculos. Podemos apreender os obstáculos dentro de nós, não precisamos necessariamente tirá-los de cena, podemos nos misturar e nos mover junto com os obstáculos da vida!

Aprendendo a relacionar-se a partir do sentir e do mover

Nas relações pessoais, as pessoas se sentem vulneráveis porque sabem, com suas experiencias passadas (vida intrauterina, infância, juventude etc.), que podem ser rejeitadas e sentirem dor. Diante disto, para nos protegermos, criamos um personagem para “acertarmos no que fazer para a relação dar certo”, ou seja, criamos uma máscara, algo que não somos verdadeiramente. Procuramos por um amor incondicional do lado de fora sem saber como dá-lo a nós mesmos.

Pode parecer extremamente piegas, mas, sim, o amor vem de dentro e só então transborda para fora e, consequentemente, para o outro. Precisamos nos amar, nos aceitar com nossos defeitos e limitações, gostarmos de nós mesmos apesar dos nossos erros e imperfeições. Se isso não ocorrer, ficaremos eternamente “mendigando” por um amor incondicional a um parceiro, ao invés de viver o amor com ele.

Como diz a psicoterapeuta Marrion Woodman, “a menos que o corpo saiba que é amado e que suas respostas são aceitáveis, a psique não tem o lastro de certeza nos instintos de que precisa… o indivíduo empaca porque o ego teme confiar. No momento de entregar-se o ego paralisa-se. A menos que o corpo saiba que existem braços internos amorosos, fortes o suficiente para contê-los, ele continuará recorrendo à própria rigidez no esforço de sobreviver”.

O processo psicoterapêutico é um trabalho de autoconhecimento, de responsabilidade, de presença, de consciência do que se está fazendo, do que se está criando (consigo mesmo, com o outro, com a sociedade). Aprendendo a aceitar quem eu sou, o que eu sinto, aprendendo a dar atenção a si mesmo, aprendendo a não rejeitar certos sentimentos e nem a se agarrar em outros, podemos conectarmos conosco e com os outros, tornando-nos mais integrados.

Desenvolvendo resiliência e entrando em contato com a alegria de viver

O processo psicoterapêutico também promove resiliência ao ajudar o indivíduo a desenvolver um olhar para os recursos internos (como uma personalidade assertiva, acolhedora ou empreendedora) e externos (como um amigo ou chefe que possam auxilia-lo em alguma tarefa ou desafio) que possui; e não apenas para os traumas daquilo que foi ou é vivido por ele.

É importante olharmos e valorizarmos o que é belo, alegre e cheio de êxtase. Os filósofos existenciais no Ocidente “tropeçaram” muito no aspecto negativo da experiência humana: angústia, depressão, tristeza, desesperança, falta de sentido etc. Não devemos, de forma alguma, negar os aspectos “negativos” que a vida nos traz, mas devemos abrir um espaço imenso dentro de nós, no nosso dia-a-dia para que possamos viver os aspectos “positivos” e gratificantes que nos preenchem e que nos cercam.

* Esse texto faz parte de uma trilogia:

– Parte I: O que é saúde, doença e cura?

– Parte II: Enfrentando o nosso bicho papão

– Parte III: Aprendendo a sentir, a mover e a relacionar-se

* Sugestão de filmes sobre o assunto:

– “Sete Minutos Depois Da Meia Noite” (Netflix)

– “Divertidamente”

Covid-19 e seus desafios: O que é essencial para você na quarentena? Como lidar com as divergências dentro de casa?

Estabelecimentos essenciais são autorizados pelo governo a funcionar durante a quarentena. Mas, para além das opiniões de Dória, Bolsonaro, Mandetta e outros políticos brasileiros, o que é essencial para cada país, para cada família, para cada um?

Fechados entre algumas paredes, muitos se estranham e fazem da convivência uma guerra. Como resolver esses conflitos?

Bolsonaro acha que salão de beleza é essencial, Dória, não. Daniel acha que lavar os produtos recebidos pelo delivery é essencial, mas Ana não; para ela essencial é não pegar elevadores e subir as escadas como forma de proteção. Beatriz acha imprescindível visitar o namorado, sua mãe não. Gabriel acha fundamental correr na rua, Carlos discorda, diz que não podem ser vetores de transmissão do vírus, e nem se colocarem em risco por uma “corridinha à toa”, acrescentando um “seu egoísta!”

Para o governo francês, lojas de vinho, queijos e chocolate são essenciais; para os Alemães, essencial são também as livrarias. Quiosques de batata frita são essenciais na Bélgica; lojas de armas de fogo, essenciais nos EUA. Estabelecimentos dedicados à venda de produtos para drinques e algumas lojas de brinquedo são consideradas essenciais na Austrália. (matéria da revista Veja, 06/05/2020).

Supermercados e farmácias são considerados essenciais quase que de forma unanime, mas outros itens definidos como indispensáveis variam muito e geralmente estão atreladas à identidade cultural de cada nação. De forma análoga, o que é fundamental ou não para cada indivíduo está atrelado com sua história de vida pessoal, com suas vivências (positivas e negativas), seus modelos e seus valores familiares.

Muitos dos meus pacientes e amigos têm se queixado e relatado desentendimentos constantes entre eles e aqueles com quem convivem com relação ao que se pode ou não fazer, o que se deve e o que não se deve fazer durante a quarentena. E, não raras vezes, esses desentendimentos tomam dimensões enormes, gerando sofrimento para todos.

Exemplos de divergências e conflitos

Falas, semelhantes às exemplificadas abaixo, têm chegado constantemente aos meus ouvidos:

– “O chefe dele não o obrigou a ir trabalhar presencialmente, mas ele continua indo. Ele diz que se não for ‘pega mal’, que caso precisem despedir alguém, ele será o primeiro se estiver trabalhando de casa. Mas ele está me expondo ao virus, expondo nossos filhos. E, no fundo, acho que o que ele quer é ir lá conversar com os colegas de trabalho”.

– “Ela pode ir ver a mãe dela, diz que é importante porque a mãe, idosa, fica muito sozinha e pode desenvolver uma depressão. Mas eu não posso ir ver meus filhos adolescentes, que estão com minha ex-mulher. Ela fala que não sabe como estão se cuidando na casa dela e que seria um risco eu encontrá-los. São meus filhos, sentem minha falta e eu sinto falta deles… sou pai!”

– “Minha irmã diz que precisa ir ao mercado pessoalmente escolher as frutas e legumes, que quando entregam não chegam tão bonitas. Discordo, muita frescura, chega tudo muito bem, mas ok, relevo, não reclamo de ela ir lá num local que é fechado e cheio de gente. Eu preciso andar, correr, gastar energia, respirar um pouco de ar puro, se não enlouqueço. Mas ela não releva, se saio para caminhar, é ela que enlouquece, dizendo que estou colocando a vida da nossa família e de todos os cidadãos em risco. Ela é muito egoísta”.

Estes são exemplos de divergências que afetam direta e fisicamente o outro, mas também há questões de princípios e valores:

– Pagar ou não a escola de música das crianças, ou o salário da empregada doméstica, para não prejudicar o profissional envolvido, mesmo que não esteja realizando seu trabalho?

– Flexibilizar a quarentena “em prol da economia e daqueles que já passam fome por falta de trabalho” ou “priorizar a vida”?

– Permitir-se se divertir vendo um monte de séries, “lives”, lendo os livros clássicos que sempre faltou tempo para ler, aprendendo yoga e novas receitas ou dedicar-se a fazer algum trabalho voluntário para ajudar a comunidade neste momento?

– Defender que as pessoas possam ir passar o final de semana na sua casa de campo em Atibaia, aliviando tensões e ansiedades, ou defender que todos fiquem em suas casas para não serem vetores transmissores do vírus?

A difícil tarefa de ouvir a necessidade do outro.

É difícil ouvir quais as necessidades básicas do outro quando ela diverge ou entra em conflito com a nossa. Vários casais, familiares e amigos que moram na mesma casa vêm, cada vez mais, atacando-se e sentindo-se atacados frente às posições e comportamentos divergentes entre eles diante da pandemia e da quarentena que nos assola.

O que é essencial para um, não é necessariamente essencial para o outro. Lidar com a diferença não é nada fácil, é preciso saber e ter a disponibilidade para realmente ouvir o outro. É preciso ser empático.

Se antes já era difícil, agora, “confinados” em um mesmo espaço, muitas horas por dia, sem paciência, amedrontados e estressados, essa tarefa parece ser impossível! Geralmente as pessoas têm apenas “vomitado” aquilo que acreditam ser o certo, a verdade absoluta que, via de regra, consideram ser justamente aquilo que pensam. Como já dizia Moreno, renomado psicodramatista argentino, é preciso ver o mundo do outro com os olhos do outro.

O que fazer, então, diante dessa situação? Algumas dicas:

1. Lembrar que verdades absolutas não existem.

2. Lembrar que a maioria de nós (incluindo nosso vizinho, o governador de Milão e nós mesmos) está mudando de ideia, sentindo, avaliando e reavaliando essa situação nova e surreal a todo instante.

Hoje acho que ok andar 20 minutos para tomar um sol; amanhã acho que foi muita irresponsabilidade, “que absurdo!”; depois de amanhã volto a andar porque vitamina D é realmente muito importante para a resistência imunológica.

3. Perguntar-se o que, para si, é fundamental fazer ou não? Qual cuidado é fundamental eu ter comigo e que atividade é essencial para mim? Deixar claro para si mesmo suas necessidades básicas.

“Sou do grupo de risco, não quero sair de casa e que ninguém que more comigo também saia”; ou, “quero muito estar com minha mãe, tenho muito medo, seguido de crises de ansiedade se eu não a encontrar por um longo tempo”.

4. Ouvir o outro nas suas necessidades e medos.

Alguém que tem um histórico de abandono talvez tenha muita dificuldade de ficar sozinho em casa ou deixar um ente querido ficar só porque, diante dessas situações, sua ferida psíquica é acionada e a sensação terrível de abandono pode constelar-se para ele, podendo chegar a graus muito altos de tensão e angustia (sobrepondo-se aos cuidados e receios com o COVID 19).

5.Conversar, desenvolver empatia, criar e recriar combinados.

Para os introvertidos e caseiros, ficar em casa fechado e isolado pode ser uma “benção”. Para os extrovertidos e cheios de energia de ação, pode ser extremamente angustiante, levando-os a um alto grau de irritabilidade e/ou ansiedade. É fundamental que, por exemplo, um conjuge introvertido e caseiro pare para ouvir e entender seu parceiro extrovertido e cheio de energia de ação. E se o conjuge introvertido e caseiro for levemente hipocondríaco? O “levemente hipocondríaco”, no meio da atual pandemia, pode tornar-se extremamente hipocondríaco num piscar de olhos. Seu parceiro precisa, então, também enxergar o grau de desespero daquele frente ao vírus, à doença e a morte. Só assim, ouvindo e vendo um ao outro, eles podem criar uma empatia e, a partir de então, conversarem e criarem, juntos, regras e princípios de conduta que possam contemplar, da melhor forma possível, cada um deles.

Autoconhecimento e comunicação para promover relações mais harmoniosas

Conversar com o outro não é, de forma alguma, uma disputa para saber quem está certo ou errado, quem tem mais poder de convencimento. Conversar é um exercício de escuta. E nesse caso especifico, de escuta das razões, dos receios, dos medos, dos desejos, das necessidades de cada um.

Uma comunicação saudável é aquela em que o mais importante é ouvir e entender o outro; fazer-se ouvir e fazer-se entendido pelo outro. Comunicar-se não é vencer uma discussão, provar que está certo. Comunicar-se é, antes de tudo, trocar, compartilhar formas de ver o mundo, falar do seu mundo e ouvir como é o mundo do outro.

A psicoterapia e a psicoterapia de casal podem auxiliar indivíduos e casais a desenvolverem a escuta empática: interna (as necessidades, medos e desejos individuais) e externa (ouvir as necessidades, medos e desejos do outro), E, a partir dessa escuta empática, trabalha-se para encontrar uma melhor forma de lidar com as divergências internas e com aquelas inerentes às relações afetivas, promovendo, assim, uma maior harmonia diante dos desafios e dificuldades que “a vida em tempos de COVID-19” tem nos trazido.

Importante dizer que essas brigas provindas das divergências entre as pessoas, não raras vezes, são apenas pontas de icebergs. Lá no fundo, geralmente há um sentimento doloroso de não ser visto, escutado e respeitado nas nossas necessidades mais básicas. É comum não olharmos para aquilo que é importante e/ou doloroso para nós. Não olhamos, não validamos, não cuidamos, mas, mesmo que inconscientemente, exigimos que o outro faça isto para e por nós. Conhecer nossas necessidades, nossas feridas (geralmente com raízes antigas, da época em que éramos bebê ou criança) e nossas vulnerabilidades nos fazem mais conscientes de nós mesmos, fundamental para nos cuidarmos melhor e para nos comunicarmos de forma mais clara e eficiente com os outros com quem convivemos.

Covid-19 e seus desafios: O desafio de ser estável, mas mutável

Em tempos de pandemia e quarentena; de desafios econômicos e de saúde, física e mental; de solidão ou falta de privacidade; de mudanças de concepção de tempo e espaço: como lidar com as emoções, com as relações e com nossos comportamentos e ações?

Se antes o mundo já era imprevisível e extremamente mutável, como lidar agora, quando tudo se faz ainda mais imprevisível, não controlável e “surreal”?

Como lidar com o tempo que às vezes parece não passar, mas que, em outros momentos, ou para outras pessoas, passa velozmente? Como lidar com esse tempo, onde as horas do dia e os dias da semana se confundem? Hoje é sábado ou quarta-feira? Os dias, para alguns, parecem iguais, indiferenciados… e lá se vão quase dois meses.

Como lidar com o espaço? O espaço do lar que, para várias pessoas, é agora casa, trabalho, escola e lazer? Com o espaço das ruas que, vazias ou cheias, encontramos pessoas com máscaras e muitas vezes até parecemos temer olhá-las nos olhos, como se isso fosse um crime? Como entrar ou não entrar numa farmácia ou supermercado?

E como lidar com todas as emoções que brotam desesperadamente e sem controle do nosso peito e estômago? Como lidar com a angustia da solidão; com o medo de morrer ou perder o emprego; com a sensação de abandono e rejeição; com a ansiedade, depressão, sensação de impotência e/ou incapacidade; com a raiva descontrolada, de si mesmo ou do outro; com a tristeza sem fim; com a alegria que surge, mas que traz consigo uma culpa por sentir-se feliz em meio a este caos; com a cobrança e autocritica excessiva? Como lidar com tantas coisas, já conhecidas ou não, que vão surgindo, emergindo e ganhando terreno nesse cenário atual?

Como lidar com as relações pessoais e profissionais? Como lidar com o choque de valores, interesses e prioridades? Como lidar com as diferenças pessoais, nesse momento de convivência intensa e forçada, para muitos, ou de afastamento para outros? No confinamento 24h por dia, 7 dias na semana, casais e familiares se estranham, os incômodos não cabem mais debaixo do tapete: é muita convivência sem espaço para respirar, para “fugir” da situação ou do outro, é muito pó! Não tem como mascarar, como esconder… é preciso limpar!!

Questões antigas profundas, já bem conhecidas ou não, pessoais e relacionais, parecem estar vindo à tona com mais força, de forma mais intensa. Boas ou ruins, desejáveis ou não, justas ou injustas, não nos cabe julgar. Diante dessa realidade pandêmica que nos está sendo imposta, cabe-nos olhá-la, de dentro (nossas emoções, pensamentos e sensações) e de fora (relações pessoais, profissionais, sociais), e, a partir desse olhar, tentarmos, na medida que nos for possível, transformar as situações, ou transformarmos a nós mesmos numa busca para algo além e melhor.

Neste momento é importante estarmos estáveis, mas mutáveis. A psicoterapia trabalha para que o indivíduo desenvolva essa estabilidade, um centramento, uma sensação de segurança e confiança interna necessários para o caminhar e o transformar a vida.

A psicoterapia e a psicoterapia de casal oferecem a possibilidade de desenvolvermos um olhar atento para o que nos aflige hoje, para o que somos, como lidamos com nossas emoções, com nossas relações e como nos comportamos frente a elas. A partir desse olhar, promovemos o autoconhecimento necessário para enfrentar os momentos difíceis e as decisões desafiadoras que se fazem necessárias nesse momento tão intenso e novo.

É um momento que, apesar de todo sofrimento envolvido (individual e coletivo), pode ser propício para grandes e importantes mudanças que há muito tempo postergamos ou até mesmo negamos sua necessidade.

Trabalhando o Trauma Através do Corpo

A abordagem corporal atua na psique e no corpo. Pesquisas recentes reconhecem a capacidade do trabalho corporal modificar nosso sistema nervoso central e nossos genes, promovendo uma maior capacidade de enfrentamento de adversidades e aumentando o fator de resiliência do individuo.

Ao tocar o corpo, tocamos nossas emoções e, a partir de então, se torna possível ao individuo ressignificar um trauma, pois é a emoção, e não a razão, que o ressignifica.

É sempre o organismo como um todo (corpo e psique) que adoece ou é afetado por um trauma/crise. E, nossas fantasias podem ser tão traumáticas em seus efeitos quanto um trauma real. O trauma é maior ou menor de acordo com o significado, o sentido, que o indivíduo coloca nele. Ressignificar um trauma é libertador, abre espaço para o novo, para uma nova e mais saudável forma de estar e vivenciar o mundo.

O trabalho corporal também atua na memória implícita, naquela que é formada no bebê antes da formação do ego. Ou seja, atua na memória pré-verbal, não acessível à consciência, o que torna esta abordagem extremamente importante para o autoconhecimento e para a superação de traumas.

Geralmente ficamos com os pensamentos e as emoções girando em círculos. É necessário “abocanhar” as emoções para, assim, entrarmos em nós mesmos!

Usar o corpo como ferramenta de autoconhecimento traz confiança, autoestima, autonomia e bem-estar.

 

Os Sonhos na Psicoterapia

“A honestidade crua de uma imagem do inconsciente pode nos deixar mudos com lágrimas ou risadas, muitas vezes com os dois, porque a imagem se move naquela linha tênue do absurdo entre a tragédia e a comédia” (Marion Woodman).

Falar de sonhos é uma forma de refletir sobre nós mesmos.

Mesmo quando não interpretados, os sonhos têm um efeito salutar, embora fraco e transitório. Se a mensagem não é assimilada pelo consciente, ela volta para o inconsciente, reaparecendo em sonhos subseqüentes até que o sonhador a ouça.

Sonhos repetitivos e pesadelos são como “gritos” do inconsciente… algo dentro de nós que está querendo falar, mas que não está sendo ouvido.

Um sonho de perseguição geralmente significa que algo (representado pelo perseguidor) quer chegar à consciência do sonhador. Se sonharmos, por exemplo, que um touro bravo nos persegue, isto significa que ele quer chegar até nós. O trabalho psicoterapêutico com esse sonho seria explorar com o paciente o que este touro bravo pode estar representando em sua vida: “o que quer entrar em sua vida e que você, com medo, está tentando impedir?” Pode ser aspectos indesejados do paciente, um lado agressivo que ele tem, mas que não gostaria de ter e por isso nega existir dentro dele. Ou um desejo sexual intenso que, por não o entender direito, tentamos controlá-lo, reprimido-o.

Nós tememos o touro ou, na verdade, o que ele representa, por ser algo estranho, desconhecido. Geralmente tememos o novo, gostaríamos muitas vezes de deixá-lo afastado de nós, queremos fugir do touro bravo. E, quanto mais o afastamos, mais aparecerá o impulso dessa parte abandonada de se unir conosco e, desta forma, o “touro” se torna forte e perigoso.

A atitude mais adequada seria convidá-lo: “Por favor, venha e me devore”. A elaboração de um tal sonho durante a psicoterapia tem o sentido de auxiliar o individuo a olhar e aceitar tais conteúdos como seus (agressividade, sexualidade etc.), e não resistir quando um elemento desses se aproximar. Este “outro em nós” (o desconhecido em nós) é um touro bravo porque nós estávamos fazendo isso “dele”, e se nós o aceitarmos, aparecerá como algo um pouco diferente, com outras possibilidades.

Ao integrar sua agressividade o individuo pode, por exemplo, direcioná-la para algo construtivo, como uma energia para conquista de algo maior e significativo ao indivíduo: uma força necessária para uma mudança radical na vida profissional, uma energia para a construção de um relacionamento que até então era visto como aterrorizante etc.

Enfim, compreender os sonhos permite à pessoa enriquecer sua mente consciente, diminuindo sua unilateralidade ou eventual oposição entre consciente e inconsciente. Mesmo que o material acrescentado seja desagradável, e muitas vezes o é, ele conduz a um mais profundo autoconhecimento e a uma maior estabilidade mental.

 

“Em cada um de nós existe um outro a quem não conhecemos. Ele fala conosco nos sonhos e nos conta quão diferentemente ele nos vê em relação à forma como nós nos vemos. Quando, portanto, nos encontramos numa situação difícil, para o qual não há solução, ele pode algumas vezes acender uma luz que altera radicalmente nossa atitude – a mesma atitude que nos levou à situação difícil” (Jung – “Sobre a natureza dos Sonhos”).