A importância de encarar nossas dores e traumas para viver um presente saudável
“Crucial para o sucesso da análise é a afirmação da dor como a voz do si mesmo autentico. O sofrimento em analise não tem nada a ver com masoquismo. O prazer que deriva da dor é o reconhecimento de que existe uma voz autentica dentro de si, como o choro de uma criança que por acidente caiu em um poço. Todos os aldeões correm contra o relógio para salvá-la, encorajados e energizados pelo som do seu choro que ainda pode ser ouvido. Se conseguirem alcança-lo antes que o choro pare, eles sabem que ela pode ser salva. Seu choro é o guia e a esperança deles (…) Saber que o resgate é possível torna o choro ainda mais intenso. É menos um choro de medo do que um choro de esperança. Ele declara: ‘estou aqui, estou vivo’” (Marion Woodman).
Para nos curarmos é importante olharmos para nossa história, pessoal e familiar. Mas, às vezes, temos tanto medo de olhá-la que acabamos por ignorá-la ou fechá-la dentro de um baú, com sete chaves. Isso acontece porque nossa história nem sempre foi e é “bonitinha”, geralmente todos nós passamos por momentos difíceis. Momentos que foram vividos, anos ou minutos atrás, com muita dor, desespero, angustia e/ou impotência. Com medo de reviver esses sentimentos e não suportarmos acabamos por nos afastar da nossa história.
Mas, ao nos afastarmos da nossa história, nos afastamos também de nós mesmos, das partes positivas dela e da possibilidade de ressignificar e elaborar as partes conflituosas que tanto tememos.
Momentos traumáticos, grandes ou pequenos, aparentemente sem significado podem estar interferindo e atrapalhando o desenrolar da nossa vida. Querendo ou não, conscientes disso ou não, algo mal resolvido na nossa história pode interferir muito na nossa forma de viver o presente. A rejeição vivida na infância no ambiente escolar, o abandono de um amor adolescente, a forma que falaram do nosso pai que nunca conhecemos, um acidente trágico quando ainda éramos bebes, a forma como um avô recebeu a gravidez de seus pais, a falência da empresa familiar, a forma como seus pais lidaram com o suicídio de um parente próximo, segredos de família etc. podem estar afetando, mesmo sem você perceber, suas decisões e a forma que você vive, hoje, suas relações pessoais, profissionais e sociais.
Com um apoio adequado, num ambiente protegido e sem julgamentos, próprio do espaço psicoterapêutico, podemos revisitar nossa história, encontrar nossas feridas e dores e curá-las através da aceitação e do acolhimento das nossas emoções. Reelabora-se o evento traumático vivido, encontra-se novos potenciais e/ou forças muitas vezes esquecidas e, assim, caminhamos para transformar aquilo que não estava nos fazendo bem.
Redimensionando o tamanho do nosso bicho papão e o nosso tamanho
Ao revisitarmos nosso passado, não raras vezes, descobrimos sermos mais fortes e capazes do que imaginávamos ser. Muitas vezes descobrimos que o bicho papão que nos assombra é bem menor e mais manso do que imaginávamos que era. Olhar para debaixo da cama, para dentro do armário ou atrás da cortina nos possibilita lidar com nossa sombra, nosso medo… nos possibilita olhar nosso bicho papão e nos libertarmos dele.
É comum jovens e adultos, ao visitar uma casa conhecida na infância, se surpreenderem com o tamanho da mureta, da sala ou do quintal: eles são bem menores do que a imagem registrada em suas mentes. Sabemos, claro, que não foi o quintal que diminuiu, foi a criança que cresceu e que agora vê tudo de uma outra perspectiva. O mesmo, na maioria das vezes, acontece quando revisitamos uma dor vivida na infância: descobrimos que ela, agora que crescemos, é proporcionalmente bem menor (mesmo que ainda grande) do que antes, pois, mais maduros, somos mais capazes de lidar com ela. Com o passar dos anos desenvolvemos habilidades físicas, emocionais, cognitivas e psíquicas para lidar com diversas situações e emoções, nos tornando também mais capazes de enfrentar e ressignificar experiencias e dores antigas.
Por exemplo, aos cinco anos enfrentar um adulto, um abusador sexual ou um pai extremamente crítico e severo, é física e psicologicamente muito mais difícil que o fazer aos 35 anos. Mas, muitas vezes, diante dessa situação aos 35 anos ficamos tomados pela experiencia anterior. Ficamos petrificados, sentindo-nos indefesos e impotentes, sem perceber que agora, adultos, temos muito mais recursos internos para lidar com a situação. Vale lembrar que essa experiencia com um abusador sexual ou com um pai extremamente crítico e severo vividos na infância podem, na vida adulta, serem projetados num parceiro amoroso ou no chefe do trabalho, trazendo grandes danos na forma de nos relacionarmos com eles. Ao encararmos e elaborarmos nossas experiencias traumáticas anteriores, nos libertamos delas e, assim, lidamos melhor com as experiencias, negativas e positivas, presentes e futuras que encontramos pela vida.
E há diversos outros exemplos, muitos em que o bicho papão é nós mesmos, são sentimentos ou ações nossas que julgamos e que escondemos por não conseguimos aceitar, por não conseguirmos ver nosso “lado feio”. Situações de luto, perdas, sensações de culpa etc… nossa história é repleta de experiencias difíceis de serem vividas e, quando se tornam nós, clamam, de alguma forma, para que olhemos para elas, a fim de desfazermos esses nós, para que a vida volte a fluir livremente. E esse “clamor” pode vir através de sintomas físicos (uma coluna que trava, gastrite, asma), comportamentais (ataques de raiva), emocionais (depressão) ou relacionais (desencontros amorosos) – é preciso ouvir esse clamor!!
* Esse texto faz parte de uma trilogia:
– Parte I: O que é saúde, doença e cura?
– Parte II: Enfrentando o nosso bicho papão
– Parte III: Aprendendo a sentir, a mover e a relacionar-se
* Sugestão de filmes sobre o assunto:
– “Sete Minutos Depois Da Meia Noite” (Netflix)
– “Divertidamente”