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Yara Kilsztajn

Psicóloga Junguiana, especialista em Psicoterapia Corporal e Orientação Vocacional/Profissional.

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Os 3 momentos da vida conjugal

Paixão: a flecha do Cupido

O momento do encontro, da idealização do outro e da escolha apaixonada

Nessa primeira fase do relacionamento amoroso acreditamos que o outro certamente nos fará muito feliz (sempre!), que nós somos tudo o que ele sempre buscou e que somos tudo o que ele precisa para ser feliz. E ficamos maravilhados, com os olhos brilhando, extasiados por termos tido a sorte de nós encontrarmos. Muitas vezes, desejando ardentemente que todos do planeta também possam encontrar um parceiro e sentir a maravilha que estamos sentindo.

Nessa fase, entre suspiros e sorrisos largos, fazemos muitos planos. Tudo é mágico, fácil e possível. As diferenças individuais não contam, os defeitos não atrapalham. Apesar de, digamos assim, um pouco ingênua, essa fase é fundamental, pois facilita o encontro entre as pessoas e abre um campo fértil para vivências e trocas psicológicas ricas e profundas.

Paixão é quando encontramos alguém que, por diversos motivos, podemos preencher, como a uma tela em branco, com nossos sonhos e desejos. As expectativas envolvidas nessas fantasias, aliadas a certeza de que encontramos a pessoa perfeita, dão a falsa garantia de um sonho sem fim. Paixão é, sem dúvida, uma idealização, do outro e da relação amorosa.

Paixão é fascínio, e fascínio é, segundo Jung, “um fenômeno compulsivo, desprovido de motivação consciente, isto é, não é um processo volitivo, mas um fenômeno que surge do inconsciente e se impõe à consciência, compulsivamente”.

O castelo que desmorona

O momento de desilusão e reformulação

O desenvolvimento e a qualidade do vínculo conjugal após o momento de paixão dependem da capacidade de cada um lidar com a frustração ao perceber que o outro não corresponde completamente àquilo que foi idealizado. Dependerá também da condição psicológica dos parceiros para reestruturarem o vínculo, antes mágico, em bases mais reais e humanas.

Mas essa não é uma tarefa fácil: é muito difícil abrirmos mão dos nossos desejos e fantasias infantis de que tudo será perfeito e feliz para sempre. E, depois de abrir mão desses desejos e fantasias, ainda temos que olhar para nós mesmos, para o outro, para a relação e, a partir desse olhar real, com os pés no chão, transformar o que antes se sustentava na paixão. É a hora de construir uma relação madura, criativa e saudável para ambos.

Decepcionados e perplexos em meio aos escombros do castelo desmoronado, cada qual luta desesperadamente para restaurar as paredes do castelo, restaurar a promessa de felicidade plena e eterna, restaurar a figura idealizada do seu parceiro. Apesar da decepção, geralmente há muita esperança.

O sentimento de esperança é importantíssimo pois, se bem encaminhado, dá força e energia ao casal para a reelaboração da relação, possibilitando um encontro mais real e autêntico entre eles: é possível construir uma bela casa.

Algumas vezes, porém, os parceiros ficam atados a conteúdos e imagens inconscientes do mundo infantil, não conseguindo deixar de lado a figura idealizada do outro e continuando a buscar incessantemente satisfação imediata através dele. Eles não conseguem lidar com sua frustração, passar por ela e reformular a relação. Ao invés disso, é comum estabelecerem rapidamente um jogo perverso de um não poder dar valor ao outro ou armarem armadilhas para provar que o outro é um traidor (afinal de contas, “ele não é tudo aquilo que eu imaginei que fosse, ele mentiu para mim, me enganou”). Nessa dinâmica conjugal, o outro é sempre o bandido de quem se tem que proteger. E dormir com o inimigo é terrível.

A manutenção das idealizações do outro, mesmo quando se depara com a realidade que não lhe corresponde, leva os parceiros a serem prisioneiros de seus próprios desejos não realizados e prejudica extremamente a relação conjugal.

Salvando o casamento

O momento de sacrifício e reconstrução

Todos os caminhos para “salvação” têm uma característica em comum: o confronto com o sofrimento e com o sacrifício de algo. Vemos isso no budismo, cristianismo, judaísmo etc. Com o casamento não é diferente: é necessário olhar para ferida de cada um, levantar o tapete e se deparar com a sujeira embaixo dele, para, então, passarmos a discriminar e entender o que está acontecendo na relação. Em seguida é necessário que se sacrifique algo, que algo morra, para que um novo relacionamento, com novas bases, possa nascer. Desafiador matar a relação, mesmo disfuncional e sofrida, antes de ter-se construído uma nova forma de ser e estar juntos. O terapeuta auxilia os cônjuges nesse difícil e rico processo.

E é necessário sacrificarmos também algo em nós, da nossa personalidade, não nossa essência primordial, mas algo do nosso eu individual, para, através desse sacrifício darmos vida a um relacionamento conjugal autêntico. Porque o relacionar-se envolve um outro (ou outros) além de nós mesmos. É preciso fazer concessões, rupturas e rearranjos para que o casal possa seguir juntos.

É comum ouvirmos pessoas reclamando do seu ser casamento, dizendo serem infelizes e que desejam viver somente suas próprias vidas, serem elas próprias, se encontrarem. Mas este “ser si mesmo” é impossível, casadas ou não. Não podemos falar nossa própria e única língua, pois se cada qual falasse uma língua própria, ninguém o compreenderia e não haveria comunicação. O ser humano é um animal social, nos constituímos na interação com o outro, não existe de fato o completo “si mesmo”.

A imagem do casamento puramente feliz causa grande dano. Casamento consiste de sacrifícios, alegrias, sofrimento, constante reconstrução e, para aqueles que realmente mergulham nele, traz uma profunda satisfação existencial.

São os sobreviventes dessa “luta” que conseguem, juntos, ver o casamento como um caminho de vida, uma busca existencial, e não uma situação estereotipada de valores sociais e econômicos. Esses sobreviventes conhecem o valor do que souberam construir!

*Por “casamento”/“relacionamento conjugal”, estou chamando todo e qualquer relacionamento afetivo entre duas (ou mais) pessoas que escolhem conviver juntas, compartilhando a vida, como companheiras de jornada. E isso independe de registro civil, celebração/benção religiosa ou moradia em conjunto.

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