O MEDO, A CORAGEM, A ANGÚSTIA E A LIBERDADE PARA MUDAR
Coragem para mudar, angústia e liberdade de escolha, coragem de errar
“E então Jung pede à sua alma para curar as feridas que a dúvida lhe causa, dizendo possuir um espírito atormentado, ainda vítima do pensar. Pede auxílio para não ser sufocado pelo próprio conhecimento e protegido do julgamento” (Guerra, “O Livro Vermelho: o drama de amor de C. G. Jung”).
Errar é bom? Admitir e acolher nossos erros é bom? É melhor do que sempre acertar? Errar ajuda a crescer? Aprendemos mais com nossos erros do que com os acertos? Muitas dessas perguntas não têm respostas, ou têm múltiplas, não são respostas consensuais ou absolutas. Mas, uma coisa podemos dizer: errar faz parte.
A pressão pelo acerto imediato é uma das facetas do mundo moderno. Tempo, paciência, tempo de aprendizado, de elaboração e reelaboração é algo cada vez mais raro. Talvez por isso encontramos, cada dia mais, pessoas deprimidas e ansiosas no mundo atual.
A tecnologia nos leva a acreditar que temos mais controle sobre tudo. Temos a ilusão que com ela (câmeras, aplicativos) passamos a controlar mais e melhor. Mas isso é uma ilusão, continuamos a viver sem garantias e desejando controlar o incontrolável… que nunca se realizará.
Dado que errar faz parte, aceitar o fato que erramos e que vamos continuar errando pode aliviar nossa angústia, raiva e sofrimento frente aos nossos erros, e também frente aos erros dos outros.
Aceitar o erro não é se contentar com o ruim, fazer de qualquer jeito. Aceitar o erro é acolher o erro após o esforço de tentar fazer o melhor possível. Às vezes é importante esforçar-se ao máximo, lutar com todas as forças e potencialidades. Noutras o ideal é não levar tudo tão a sério, deixar fluir, largar as “armas” e esperar as respostas e os acontecimentos chegarem de forma “mais natural”, sem tantos “esforços guerreiros”. Como saber como lidar em cada caso? Uma nova pergunta sem respostas claras, obvias e imediatas.
A psicoterapia pode ajudar o indivíduo a encontrar as respostas, os caminhos e a lidar com seus erros. É através do desenvolvimento do autoconhecimento (o conhecer melhor a si mesmo – desejos, medos, atitudes e pensamentos arraigados, muitas vezes já sem serventia) e do olhar a realidade de forma mais clara e objetiva que a psicoterapia auxilia as pessoas a enfrentarem os momentos de medos e angústias que a vida lhes traz.
Muitas vezes nos deparamos com situações em que não sabemos que caminho seguir, buscar clareza ajuda muito. A psicoterapia nos estimula a ouvir nossa mente, consciente e inconsciente, nosso corpo e nossa intuição. Fazer perguntas a nós mesmos (como: “o que faz meus olhos brilharem?”, “quais as consequências dessa minha escolha se o pior acontecer?”, “o que vai acontecer se eu sair da minha zona de conforto e vencer o meu medo?”), observar os sinais do corpo (como: doenças físicas psicossomáticas, crônicas ou pontuais; alteração na respiração, sensação térmica, retraimento ou expansão corporal frente a uma ideia ou frase relacionada ao futuro), observar os sonhos, meditar e fazer trabalhos corporais que facilitem o contato com o inconsciente e com nossas intuições etc. trazem a clareza necessária para fazermos melhores escolhas. Lembrando aqui que nada é certo, que nada controlamos totalmente, mas que podemos tentar fazer o melhor possível para seguir os melhores caminhos. E se errarmos, a psicoterapia também pode nos ajudar a acolher nossos erros… acolher a nós mesmos para, depois, seguir adiante, de novo, e de novo.
Alguns defendem a ideia de agir rápido e pensar menos, partindo da premissa de que vamos errar bastante, mas que isso faz parte nesse mundo cheio de possibilidades e incertezas. Para estes errar muitas vezes corta o caminho e pode nos levar mais rapidamente ao “sucesso”. O segredo seria aprender a lidar com mais leveza com nossos erros, aceitando melhor nossos fracassos, aprendendo com eles e alterando nossa rota sem demora, um pouco ou radicalmente conforme o caso.
Admitir nossos erros, já que é algo natural ao ser humano, é algo importante. Aceitar nossos muitos “não sei”, assumir que não temos certezas e de que não estamos sempre certos de tudo também é algo importante. Geralmente lutamos para defender uma verdade que nem sabemos se é realmente o que acreditamos, estarmos certos, “vencer” uma discussão muitas vezes parece ser mais importante do que a busca pela verdade (por isso inúmeras vezes apenas falamos, defensivamente, ao invés de ouvirmos e refletirmos sobre o que o outro nos diz). Assumir que não sabemos algo ou que nos enganamos… uma humilhação, um sentimento de menos valia.
Quando admitimos nossas falhas e o nosso não saber, quando conseguimos deixar de lado nosso “ego superpoderoso”, abrimos espaço para a criatividade, para o novo, para o surpreendente, para a maravilha que pode ser o desconhecido. Aqui, nesse espaço, a transformação pode acontecer, algo novo pode nascer, seja lá o que for: sentimentos, ações, formas de ser, formas de pensar, de se relacionar, de viver.
É importante termos coragem de ser imperfeitos, abraçar e assumir nossa vulnerabilidade. Estudos da cientista Brené Brow apontam que as pessoas que mais se expõem são, obviamente, mais criticadas do que aquelas que se calam, mas, em compensação, são mais autênticas e realizadas.
Muitas vezes passamos a vida sem ousar, esperando a perfeição, sacrificando relacionamentos, desejos, propósitos e perdendo oportunidades irrecuperáveis (ou quase irrecuperáveis, ou recuperáveis com esforço redobrado). O indivíduo que busca a perfeição nunca se sente satisfeito e orgulhoso de si mesmo. Isso gera angústia, ansiedade, depressão e baixa autoestima por ele nunca ser e fazer o suficiente, já que o mínimo suficiente é a perfeição.
Então, podemos passar essa vida sem ousar e, consequentemente, sem realizar, por puro medo de errar e pelo desejo de ser sempre perfeito. Brené Brow diz que na tentativa de neutralizar a vulnerabilidade, os EUA acabaram por desenvolver uma geração adulta mais endividada, obesa, viciada e medicada da história. E isso, posso dizer, definitivamente não é sinal de “sucesso”, e nem de saúde.
E quando erramos, rir dos nossos erros, que não são fatais, pode ser um sinal de sabedoria. O humor, o rir de si mesmo, é uma arte que em alguns parece ser natural, mas que todos nós podemos desenvolver. Rir dos nossos erros deixa a vida mais leve, ajuda a nos desapegarmos da culpa, do erro, da dor por ele gerada e facilita o recomeçar.