Hoje recebi um vídeo gravado por mergulhadores em 30 de março de 2020: uma família de golfinhos saltava “serelepe” em plena Baia de Santos. Sim, não era em Fernando de Noronha, era na Baia de Santos!
Quando os homens se confinam, os animais, antes confinados,
podem sair de suas “tocas” e novamente ocupar de forma plena o planeta. Amigos
e pacientes também relatam um número maior de pássaros e borboletas nas janelas
de suas casas e, todos nós estamos respirando um ar mais puro.
O que
nós, indivíduos e humanidade, podemos e devemos aprender com essa experiência
surreal?
O COVID-19 está aqui, é intenso, rápido, devastador… não
dá para negar. Mas, o que ele pode nos ensinar?
Cuidar da natureza, lembrar que existem outras espécies que
vivem conosco nesse planeta e que têm o direito de ocupá-lo mais livre e
saudável; valorizar a ciência, os jornalistas, a escola e os médicos, são
alguns exemplos.
Esse vírus traz consigo uma doença. Muitas linhas da saúde
acreditam que a doença é um alarme para despertarmos… é o nosso corpo
gritando, pedindo ajuda. Hoje é também o “corpo-humanidade” que grita como um
todo!
Se tivermos dores de estomago ou gastrite talvez algo não
esteja sendo, simbolicamente, bem digerido ou algo esteja queimando, nos
corroendo por dentro. Se há dor de garganta ou inflamação nas amigdalas, pode
ser o corpo mandando um recado: “você precisa falar mais, expressar-se mais,
colocar as coisas que sente para fora”. Se há problemas de prisão de ventre,
talvez o indivíduo não esteja conseguindo eliminar coisas tóxicas que vive no
seu dia a dia em casa, ou, outra opção, é ele estar com dificuldade em produzir
e levar para o mundo sua produção criativa. E por aí vai… Lembrando que estes
são apenas exemplos, não regras; apesar dos símbolos (que se relacionam com as
doenças) serem coletivos, trazem também muito da vivencia pessoal de cada um.
Partindo
do paradigma de que a doença é um alarme para despertarmos e que, se não a
ouvirmos, ela agrava, devemos nos perguntar: o que o COVID-19 quer nos dizer?
Penso ser um momento de cura da humanidade, um convite para
uma reforma íntima e também coletiva. É preciso mergulhar para vermos o que há
dentro de nós que precisamos cuidar, enquanto indivíduos e enquanto espécie.
Saúde Mental em Tempos de Corona Vírus – Como
lidar com a ansiedade, o pânico e a depressão?
Muitos já vivenciavam angustia, pânico, ansiedade e
depressão. Hoje, frente a pandemia, esses sintomas e o número de pessoas
atingidas por eles cresce. As pessoas temem sua própria morte ou a morte de um
ente querido, temem a hospitalização, o colapso financeiro, a pobreza, a fome,
a violência, a falta de alimentos etc.
A ansiedade é uma inquietação da mente ligada ao futuro. O
COVID-19 nos apresenta um futuro completamente incerto, as informações mudam a
todo instante, o panorama é tão novo que nos parece irreal, uns negam, outros
entram em pânico, outros lidam de maneira um pouco mais equilibrada.
Abro aqui um parênteses para pontuar algo bem importante:
alguns sintomas de pânico podem ser confundidos com os sintomas do corona
vírus: ao entrarmos em pânico, nosso organismo apresenta dispneia (dificuldade
para respirar), falta de ar, sensação de estar morrendo, desespero e,
consequentemente, aumento da temperatura corporal. É importante buscar se
acalmar e centrar-se, no momento da crise (o que é um pouco difícil), no inicio
dela e, também, ao longo desses dias todos de quarentena e pandemia (como
medida preventiva), por isso:
- Faça psicoterapia,
meditação e esteja ativo (estimulando corpo e mente),
- Organize
uma rotina diária, fale com amigos,
- Diminua
o “consumo” de informações/noticias sobre o tema (limite-se a acessar apenas
sites/jornais confiáveis, se informando apenas uma ou duas vezes ao dia sobre o
que está acontecendo e como proceder),
- Não se
cobre e não se critique muito (afinal todos nós estamos passando por tempos
turbulentos),
- Ouça
música e faça coisas que lhe dão prazer e que lhe façam rir (mesmo e apesar
desse contexto),
- Cuide
da alimentação e da higiene, tome sol, faça atividades relaxantes e atividades
expressivas (como escrever, tocar um instrumento, dançar e pintar).
São coisas que nos ajudam a não nos entregarmos ao desespero
e à depressão. Lembrando que não nos entregarmos é diferente de negarmos a
realidade e a gravidade da situação. Responsabilidade e cuidado com o outro e
consigo mesmo é fundamental!
A Importância do Cuidar
O tema “cuidado” deve ser um dos nossos grandes
aprendizados nesse momento: cuidar de si (alimento, corpo, emoções), do outro
(solidariedade) e também aprender a permitir-se ser cuidado.
Uma amiga relata, a partir da leitura de um dos seus
inúmeros livros que adquiriu para passar a quarentena, que descobriu quanto
importante é dormir bem. O livro trata desse tema e ela, inconformada com a
negligência que todos nós tratamos o sono apesar de existirem, há muito tempo,
varias pesquisas cientificas apontando para os danos causados por uma má qualidade
do sono, já começa a rever seus hábitos para poder dormir melhor.
Muitas pessoas que antes ficavam apenas enfurnadas em seus
escritórios, afazeres profissionais, academias, vitrines e “espelhos”, agora
têm a possibilidade de olhar para fora, mesmo de dentro de casa, e, ao
encontrarem a fragilidade do outro, organizam-se para doar cestas básicas,
montar grupos de apoio, durante o confinamento. Solidariedade! E como é gostoso ouvir o relato dessas pessoas que,
perante o caos, encontram prazer em ajudar o outro.
Alguns “médicos seniors”, altamente qualificados, que
sempre lutaram em não demostrar sua fragilidade, amedrontados agora com os
sintomas de gripe e/ou ansiedade, começam a buscar ajuda nos enfermeiros,
fisioterapeutas e psicólogos. Eles estão aprendendo a olhar e a aceitar suas
vulnerabilidades, pedir e receber cuidado pela primeira vez depois de adultos.
E isso é, psicologicamente falando, muito importante e rico para o crescimento
pessoal do indivíduo.
Aprendizados Coletivos
Uma colega, enfermeira de um grande e importante hospital
público de São Paulo, relata sua experiência em tempos de corona vírus: nunca
ela, nem seus companheiros enfermeiros, médicos, fisioterapeutas e agentes de
saúde em geral, foram tão bem tratados e reconhecidos pela sociedade. Entre
aplausos populares vindos das janelas de todo Brasil, agora também recebem, da
população civil, pizza para se alimentarem durante o expediente e, do sistema
de saúde, camas apropriadas para descansarem durante os plantões de trabalho
(antes deitavam no chão ou em macas improvisadas no corredor).
Segundo ela, o COVID-19, além precarizar a rede dos
hospitais privados, trouxe sobriedade às pessoas: agora elas se preocupam com
os idosos, com a condição dos hospitais e dos profissionais da saúde, dos
moradores de rua, ambulantes, moradores das diversas comunidades, cuidam mais
da sua saúde, lembram que a morte existe, que as coisas são finitas, que têm
afeto e vontade de estarem com as pessoas queridas etc.
E os pais? Com vários pais e filhos “presos” dentro de
casa, eles descobriram a importância e o prazer de estarem mais próximos dos
seus filhos… são muitos os relatos de felicidade de poderem estar pertinho de
suas “crias” e perceberem a satisfação dos filhos com essa proximidade.
Mas há também o desespero: “o que faço com essas crianças
sem escola?” e, “como eu vou ensinar o conteúdo que os professores estão
passando virtualmente?” Nas ultimas décadas muitos pais vinham delegando à
escola e professores a educação completa (social, emocional, cognitiva, ética, moral…)
de seus filhos, isentando-se quase que completamente da responsabilidade de
educa-los. Além de conhecê-los e interagir mais de perto, agora os pais, entre
“surtos” e/ou gargalhadas, precisam aprender a educá-los. E mais, hoje são eles
que estão sendo chamados, de alguma forma, a dar conta de tudo, ensinando
alguns dos conteúdos formais escolares, precisando ser um pouco professor
quando suas crianças não compreendem perfeitamente o que a escola solicitou.
Pais e sociedade descobrem a importância dos professores! A
arte, artistas, cultura veem ganhando algum reconhecimento, mas ainda bem
tímido a meu ver. Profissionais da segurança pública, policiais, bombeiros etc.
ainda aguardam reconhecimento.
Estamos também aprendendo a valorizar o sol, a liberdade de
ir e vir, os abraços, o pegar na mão, o encontrar entes queridos; aprendendo a
apreciar a beleza da natureza e de todas pequenas coisas da vida. E muitos
estão descobrindo e aprendendo que muitas pessoas (e outros seres vivos) nunca
ou pouco tiveram a possibilidade de vivenciar essas pequenas coisas.
O tempo, a falta de tempo, a ecologia, o respeito mutuo
etc. etc. etc., são muitas aprendizagens possíveis.
Aprendizados Individuais
Individualmente o COVID-19 e a quarentena nos convidam a
uma reforma íntima. É extremamente difícil olharmos para dentro, abrir nossas
gavetas internas, mexer no nosso “lixo”, na nossa sombra. Há muito medo do
nosso próprio julgamento, há o receio da transformação (algumas vezes, mesmo
quando conscientemente dizemos que queremos mudar, há um outro lado, inconsciente,
dentro de nós que teme essa mudança e tenta nos boicotar).
Mas em meio a esse aparente “lixo” todo, em meio às nossas
“feras ferozes internas”, sentimentos e posturas “deploráveis” (seja de raiva,
egoísmo, incompetência ou fraqueza, por exemplo), habita, dentro de nós, nossa
criatividade, nossa força, nossa potencia. Podemos acessar coisas julgadas boas
e coisas julgadas más, coisas que não conhecíamos ou que não queiramos ver de
nós mesmos. E, a partir disso, podemos nos tornar mais inteiros.
Podemos, como os alquimistas, misturar “substâncias” e
transmutarmo-nos para algo além. Os alquimistas buscavam transformar pedra em
ouro… esse é o convite!
A grande maioria dos meus pacientes que agora, na quarentena,
atendo por vídeo, não trazem necessariamente novas questões frente a pandemia.
Quando olhamos com cuidado observamos que são as mesmas questões de antes, mas
amplificadas e aprofundadas. O vírus e a quarentena têm ajudado-nos, eu e meus
pacientes, a mergulharmos mais fundo em suas almas. Com esse mergulho profundo,
acredito, podemos emergir transformados em pessoas mais autoconscientes e mais
inteiras (o mesmo acontecendo com a humanidade).
Rever e destruir padrões mentais, comportamentais e emocionais
tem sido um tema recorrente e forte nas sessões: limpar a casa, concreta e
simbolicamente. Olhar para tudo que temos, selecionarmos o que ainda nos serve,
deixarmos ir o que não nos faz mais sentido ou que nos faz mal: falar “tchau”
para nosso lado excessivamente autocritico, para um relacionamento abusivo e
tóxico, para o papel de vitima ou de superprotetor que ocupamos na nossa
família etc., são alguns exemplos desse processo de limpeza. Momento de
desapego, de limpeza para dar lugar ao novo e para abrir espaço para aquilo que
realmente valorizamos e queremos em nós e em nossas vidas.
Momento de nos fecharmos em casa, mas nos abrirmos para
novos mundos. Momento de nos abrirmos, com olhos abertos e muito atentos, para
o novo e desconhecido, dentro e fora de nós.
Alguns dizem que não vêm a hora de tudo voltar ao normal,
eu prefiro que nada mais seja como antes, que nós possamos aprender, e muito,
com essa doença que hoje nos assola violentamente, mas que, ao meu ver, só traz
a tona as doenças que já existiam no amago do nosso ser e da nossa sociedade.