Qual o sentido do casamento nos dias de hoje

Para alguns críticos sociais, o casamento é uma instituição falida, hipócrita, restritiva e destrutiva, que só pode ser mantida por falsidade e fraude. Eu discordo!

Questões da atualidade: Casar ou não casar? Divorciar ou não divorciar?

Apesar da maioria das pessoas se casarem com grande entusiasmo e acreditando que essa união será “para todo o sempre”, em todos os países onde as leis não dificultam o divórcio, muitos casamentos são dissolvidos.

Os números assustam: enquanto a quantidade de casamentos diminui (entre 2016 e 2017, caiu 2,3%), a taxa de casais que optam pelo divórcio aumenta consideravelmente (8,3% nesse mesmo período). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a proporção é de três casamentos para cada divórcio.

Muitos casamentos se mantem apenas por considerações puramente materialista. Um colega meu disse uma vez que “separação é para ricos”, porque separar-se gera baixas materiais muito consideráveis (dois alugueis, duas assinaturas de TV e internet etc.), que nem todos conseguem arcar. Independente do poder aquisitivo do casal, o divórcio usualmente implica num declínio no padrão de vida para ambos e para os filhos. A mesma renda, depois do divórcio, deve sustentar duas casas.

Outros casamentos se mantem por causa dos filhos, mesmo quando a relação do casal está completamente deteriorada. Isso tem mudado, ter filhos, cada vez menos, têm sido um impedimento para que os casais se separem. Prova disso, é o aumento significativo de divórcios judiciais com sentença de guarda compartilhada.

Outro fator que muitas vezes mantem os conjugues unidos é o medo da solidão e o receio de não se sentirem aptos para encontrar novos parceiros.

Mas relacionamentos são dissolvidos nas mais variadas fases do casamento e muitas vezes nos surpreendemos com o comunicado de divórcio daquele casal amigo que considerávamos muito bem resolvidos e felizes.

Mesmo com o aumento crescente da taxa de divórcio, a maioria das pessoas o sente como um fracasso, elas tinham a intenção de permanecer juntas até que a morte os separasse.

Adolf Guggenbuhl-Craig, renomado terapeuta de casal, defende que todos esses divórcios não seriam tão negativos se pudéssemos perceber alegria e felicidade genuína entre os não divorciados.

Ele diz que muitas pessoas casadas só conseguem manter a família unida com muita dificuldade, negando a si mesmo tudo que lhes é precioso. Mulheres e homens muitas vezes sacrificam suas reivindicações pessoais, culturais e profissionais em nome da profissão e do conforto do cônjuge; ou um dos parceiros se torna subserviente, não podendo expressar suas próprias opiniões na presença do outro. É comum encontrarmos pessoas casadas que, longe do seu cônjuge, apresentam-se felizes e cheias de vida, mas que, quando o parceiro está presente, tornam-se fechadas, apáticas, sem vivacidade alguma.

Encontro no mundo, a partir de experiências pessoais e profissionais, casamentos hipócritas, mas também casamentos reais (e não idealizados) em que os parceiros se criam, se constroem e se reinventam constantemente como indivíduos e como casal, desenvolvendo uma relação genuína, com ganhos, conquistas e aprendizados profundos e sadios.

A vida de casal é, sem duvida alguma, desafiadora, como assim o é a de solteiro ou divorciado. Mas podemos encontrar, entre as angustias, medos, conflitos e dores; as alegrias, a felicidade genuína e o sentindo de vida entre os casados (e entre os não casados também!).

Mas a questão está no como e em que grau essas questões afetivas afetam você e como você tem, ou não, conseguido lidar com esses desafios. A partir de um olhar cuidadoso, sem julgamento e individualizado, o psicologo pode auxiliar você, individualmente ou enquanto casal (se você se encontra num relacionamento afetivo), a responder as questões: Casar ou não casar? Divorciar ou não divorciar? O processo de autoconhecimento, facilitado pela psicoterapia, auxilia o indivíduo a construir e a percorrer um novo caminho, uma nova forma de se relacionar ou ficar só, promovendo uma vida mais verdadeira e saudável.

*Por “casamento”/“relacionamento conjugal”, estou chamando todo e qualquer relacionamento afetivo entre duas (ou mais) pessoas que escolhem conviver juntas, compartilhando a vida, como companheiras de jornada. E isso independe de registro civil, celebração/benção religiosa ou moradia em conjunto.

Dificuldades conjugais, psicoterapia de casal, autoconhecimento e comunicação

Exemplos de relacionamentos problemáticos entre casais

Há pessoas que temem o real contato íntimo com alguém, e consigo mesmo, porque temem a vulnerabilidade diante do outro e de si próprio. Fogem dos relacionamentos e quando os têm, permanecem distantes e defendidos porque suas expectativas são que relacionar-se traz o caos, o descontrole e o desconhecido que tanto tentam evitar. Do outro lado da relação podemos encontrar, por exemplo, uma pessoa que sempre se sente rejeitada, não vista, não amada.

Há aqueles que só podem amar um parceiro ideal, não humano, só amam aquele que pode atender todas as suas necessidades, sem feri-los ou frustrá-los. Oras, esse parceiro ideal não existe e, por isso, o indivíduo passa o relacionamento todo reclamando da imperfeição do outro: “casei com uma pessoa, agora ela é outra, me enganou”. Aqui podemos encontrar um parceiro complementar com grande autocritica interna e com baixa autoestima.

Há indivíduos presos na relação que tinham com seus pais e que, justamente por isso, assumem o papel de filho ou de progenitor nas relações conjugais, revivendo, incessantemente, na relação com seu parceiro (no papel de filho ou de progenitor) a relação parental em que estão presos.

Há àqueles que buscam uma pessoa frágil e desprovida de cuidados como cônjuge porque temem serem abandonados e acreditam, mesmo sem ter consciência disso, que uma pessoa com tais características nunca os abandonaria. Então, sempre que seu cônjuge tentar se desenvolver e se fortalecer, eles irão boicotar e tentar, de todas as formas, impedi-lo, com receio de que, se forte, ele o abandonará.

Há casais que ocupam papeis rígidos de agressor e vítima e se alimentam, sem saber, um do outro, numa dinâmica doentia em que ambos, por variados motivos, não conseguem se largar ou reverter esses papeis.

Há casais presos numa dinâmica de controle exagerado. Por exemplo, um controlador que exige a presença do outro, querendo ter o parceiro sempre perto e torturando-o com suas insatisfações. E, do outro lado, o controlado, com um desejo confesso ou inconfesso, mas ambivalente de se afastar, ameaçando constantemente seu parceiro controlador que, diante dessa ameaça, aumenta seu controle.

Há casais que se interpretam erradamente e em seguida se agridem por isso.

Há casais que competem entre si e cada qual busca com todas as suas forças convencer o terapeuta de que é ele que está certo, querem ganhar a discussão… Mas eles podem aprender, no processo psicoterapêutico, que “perder” pode vir a constituir um ganho e “ganhar” vai muito além de ver o predomínio do seu ponto de vista.

Há casais de todo tipo, esses são só alguns exemplos. E os conflitos são diversos, assim como a história familiar e de vida de cada um. A terapia de casal ajuda-os no esclarecimento, na comunicação e na resolução dos conflitos.

Porque os casais tropeçam na relação conjugal, mesmo amando-se, e o papel da psicoterapia de casal

É difícil estar pronto para enfrentar os problemas relativos ao amor, pois esse exige consciência, responsabilidade, visão e previsão.

Geralmente temos certeza de que a causa das dificuldades conjugais e familiares é sempre do outro. Temos pouca ou nenhuma consciência da nossa própria responsabilidade nesse processo e esperamos que o terapeuta se torne uma testemunha dos erros do outro e um aliado nosso.

O casamento deveria ser uma relação entre dois adultos que juntos resolvem compartilhar o prazer e as dificuldades da vida. Mas o que geralmente encontramos são pessoas buscando garantias e gratificações no casamento que teriam que ter sido suprimidas na infância. Como não obtiveram isso quando crianças, ficam presas a essas necessidades não atendidas e pedem (ou exigem!) de seus parceiros aquilo que, enquanto adultos, deveriam buscar por eles mesmos.

É essencial que os parceiros ultrapassem essas exigências infantis para que a necessidade de dependência do outro abra espaço para sentimentos de autonomia e prazer pela liberdade pessoal. Ser autônomo é amadurecer psicologicamente e, a partir de então, poder construir uma relação conjugal saudável, de troca, amor e respeito.

Há vários tipos de pessoas, assim como há vários tipos de casais, de formas de se relacionar e de solucionar os problemas conjugais. Na terapia de casal, o psicologo busca conhecer, junto com os cônjuges, a dinâmica de relacionamento do casal e o que, eventualmente, está atrelada a ela.

A partir de um olhar cuidadoso, sem julgamento e individualizado, o psicologo auxilia o casal a construir e a percorrer um novo caminho, uma nova forma de se relacionar, mais verdadeira e saudável para todos.

Autoconhecimento e comunicação: fundamentais para vida conjugal

As pessoas que menos conhecem seu lado inconsciente, são as mais afetadas por ele. Tudo que atua a partir do inconsciente aparece projetado nos outros. Os outros podem não ser totalmente isentos de culpa, pois sempre projetamos nosso “filme” numa tela minimamente compatível, ou, dito de outra forma, nossa projeção sempre está presa em um gancho, por menor que ele seja, ele é oferecido por alguém (no caso, o cônjuge). Por isso é de extrema importância o autoconhecimento no processo psicoterapêutico. Um dos objetivos da psicoterapia de casal é ajudar o casal a desenvolver meios adequados para que os conteúdos inconscientes se apresentem à consciência e, assim, possam ser vistos e elaborados dentro da relação conjugal.

*Por “casamento”/“relacionamento conjugal”, estou chamando todo e qualquer relacionamento afetivo entre duas (ou mais) pessoas que escolhem conviver juntas, compartilhando a vida, como companheiras de jornada. E isso independe de registro civil, celebração/benção religiosa ou moradia em conjunto.

A importância da sexualidade e a sexualidade na vida conjugal

Na nossa cultura ocidental contemporânea, a sexualidade é uma das questões centrais e de extrema importância na vida dos casais. Precisamos olhar e falar dela, sem moralizá-la e sem biologizá-la, sem dogmatizá-la sobre o que deveria ou não ser.

No curso da história teológica judaica e cristã, a sexualidade e a reprodução se tornaram ligadas uma a outra. Até recentemente, a sexualidade só poderia ser vivida em conexão com a reprodução. É mérito das teorias freudianas a compreensão da sexualidade para além da reprodução. E foi Freud que demonstrou como todos os instintos parciais sexuais se unem no ato sexual para formar uma grande experiência.

Segundo a psicologia junguiana, a sexualidade sempre teve alguma coisa de numinoso, mágica, alguma coisa estranha e fascinante ao mesmo tempo. Podemos entender a sexualidade como algo que vai além da reprodução, do puro prazer e do relacionamento humano. A fusão sexual expressa a ponte que une, em nós, todas as compatibilidades e oposições predominantes. Até certo ponto, os parceiros amorosos completam um ao outro, e até certo ponto não estão, de forma alguma, sincronizados um ao outro. No ato de amor, toda polaridade e fragmentação do ser é superada… aí está seu fascínio e sua importância no relacionamento afetivo entre os casais.

É aconselhado que se viva no casamento os interesses sexuais compartilhados, se possível aceitando os desejos do outro, ou ao menos ouvindo-os e não os rejeitando e julgando. Isto pois, dessa forma, o casal tem a oportunidade de conhecer-se em todas as suas alturas e profundezas. Em alguns casamentos isso pode ser muito difícil.

O ideal é que um não tente fugir da sexualidade do outro, assim como não se deveria fugir do outro psicologicamente. Cada casal deve descobrir como viver a sexualidade. É um trabalho que cada um deve criar e recriar, enquanto indivíduo e enquanto casal. Não tem certo, nem errado.

Ressalta-se aqui que a “modernidade” exige que todos nós, da juventude à velhice, tenhamos uma vida sexual saudável e vigorosa. Há uma pressão social que diz que indivíduos sadios, casados ou solteiros, não podem levar uma vida assexual. Apesar de ser um pouco mais raro, há casais ou parceiros que não têm muito interesse na sexualidade. E isso não é necessariamente um problema. O problema se dá quando os parceiros divergem na importância que cada um dá à relação sexual.

Atualmente vem crescendo o número de estudos sobre a assexualidade, considerada uma orientação sexual caracterizada pela ausência de interesse por sexo, apesar do indivíduo apreciar a intimidade e o amor, envolvendo-se emocionalmente com um parceiro e, muitas vezes, desenvolvendo relações sem qualquer contato sexual.

Cada pessoa e cada casal se relaciona de uma forma singular com a sua sexualidade. E, por mais que se fale tanto em sexo pelo Brasil a fora, este tema ainda é um grande tabu. Falar da nossa sexualidade – nossos medos, desejos, incômodos, prazeres, fantasias, conforto e desconfortos etc. – com amigos, com o próprio parceiro amoroso e até com nós mesmos é, muitas vezes, extremamente difícil. Sentimentos de vergonha e inapropriação são recorrentes ao abordarmos tal tema.

Sexualidade é algo íntimo e profundo. Poder falar dela num ambiente seguro, acolhedor e sem julgamentos é extremamente importante quando algo não vai muito bem, quando algo está confuso dentro da gente, quando há divergências no casal ou quando se deseja vivê-la de forma mais completa.

A terapia de casal e a terapia individual com foco em relacionamentos afetivos pode ajudar você a entender melhor sua sexualidade, a sexualidade do casal e, se desejado, ajudar você(s) a se conectar(em) com ela de uma forma plena e prazerosa.

*Por “casamento”/“relacionamento conjugal”, estou chamando todo e qualquer relacionamento afetivo entre duas (ou mais) pessoas que escolhem conviver juntas, compartilhando a vida, como companheiras de jornada. E isso independe de registro civil, celebração/benção religiosa ou moradia em conjunto.

Os 3 momentos da vida conjugal

Paixão: a flecha do Cupido

O momento do encontro, da idealização do outro e da escolha apaixonada

Nessa primeira fase do relacionamento amoroso acreditamos que o outro certamente nos fará muito feliz (sempre!), que nós somos tudo o que ele sempre buscou e que somos tudo o que ele precisa para ser feliz. E ficamos maravilhados, com os olhos brilhando, extasiados por termos tido a sorte de nós encontrarmos. Muitas vezes, desejando ardentemente que todos do planeta também possam encontrar um parceiro e sentir a maravilha que estamos sentindo.

Nessa fase, entre suspiros e sorrisos largos, fazemos muitos planos. Tudo é mágico, fácil e possível. As diferenças individuais não contam, os defeitos não atrapalham. Apesar de, digamos assim, um pouco ingênua, essa fase é fundamental, pois facilita o encontro entre as pessoas e abre um campo fértil para vivências e trocas psicológicas ricas e profundas.

Paixão é quando encontramos alguém que, por diversos motivos, podemos preencher, como a uma tela em branco, com nossos sonhos e desejos. As expectativas envolvidas nessas fantasias, aliadas a certeza de que encontramos a pessoa perfeita, dão a falsa garantia de um sonho sem fim. Paixão é, sem dúvida, uma idealização, do outro e da relação amorosa.

Paixão é fascínio, e fascínio é, segundo Jung, “um fenômeno compulsivo, desprovido de motivação consciente, isto é, não é um processo volitivo, mas um fenômeno que surge do inconsciente e se impõe à consciência, compulsivamente”.

O castelo que desmorona

O momento de desilusão e reformulação

O desenvolvimento e a qualidade do vínculo conjugal após o momento de paixão dependem da capacidade de cada um lidar com a frustração ao perceber que o outro não corresponde completamente àquilo que foi idealizado. Dependerá também da condição psicológica dos parceiros para reestruturarem o vínculo, antes mágico, em bases mais reais e humanas.

Mas essa não é uma tarefa fácil: é muito difícil abrirmos mão dos nossos desejos e fantasias infantis de que tudo será perfeito e feliz para sempre. E, depois de abrir mão desses desejos e fantasias, ainda temos que olhar para nós mesmos, para o outro, para a relação e, a partir desse olhar real, com os pés no chão, transformar o que antes se sustentava na paixão. É a hora de construir uma relação madura, criativa e saudável para ambos.

Decepcionados e perplexos em meio aos escombros do castelo desmoronado, cada qual luta desesperadamente para restaurar as paredes do castelo, restaurar a promessa de felicidade plena e eterna, restaurar a figura idealizada do seu parceiro. Apesar da decepção, geralmente há muita esperança.

O sentimento de esperança é importantíssimo pois, se bem encaminhado, dá força e energia ao casal para a reelaboração da relação, possibilitando um encontro mais real e autêntico entre eles: é possível construir uma bela casa.

Algumas vezes, porém, os parceiros ficam atados a conteúdos e imagens inconscientes do mundo infantil, não conseguindo deixar de lado a figura idealizada do outro e continuando a buscar incessantemente satisfação imediata através dele. Eles não conseguem lidar com sua frustração, passar por ela e reformular a relação. Ao invés disso, é comum estabelecerem rapidamente um jogo perverso de um não poder dar valor ao outro ou armarem armadilhas para provar que o outro é um traidor (afinal de contas, “ele não é tudo aquilo que eu imaginei que fosse, ele mentiu para mim, me enganou”). Nessa dinâmica conjugal, o outro é sempre o bandido de quem se tem que proteger. E dormir com o inimigo é terrível.

A manutenção das idealizações do outro, mesmo quando se depara com a realidade que não lhe corresponde, leva os parceiros a serem prisioneiros de seus próprios desejos não realizados e prejudica extremamente a relação conjugal.

Salvando o casamento

O momento de sacrifício e reconstrução

Todos os caminhos para “salvação” têm uma característica em comum: o confronto com o sofrimento e com o sacrifício de algo. Vemos isso no budismo, cristianismo, judaísmo etc. Com o casamento não é diferente: é necessário olhar para ferida de cada um, levantar o tapete e se deparar com a sujeira embaixo dele, para, então, passarmos a discriminar e entender o que está acontecendo na relação. Em seguida é necessário que se sacrifique algo, que algo morra, para que um novo relacionamento, com novas bases, possa nascer. Desafiador matar a relação, mesmo disfuncional e sofrida, antes de ter-se construído uma nova forma de ser e estar juntos. O terapeuta auxilia os cônjuges nesse difícil e rico processo.

E é necessário sacrificarmos também algo em nós, da nossa personalidade, não nossa essência primordial, mas algo do nosso eu individual, para, através desse sacrifício darmos vida a um relacionamento conjugal autêntico. Porque o relacionar-se envolve um outro (ou outros) além de nós mesmos. É preciso fazer concessões, rupturas e rearranjos para que o casal possa seguir juntos.

É comum ouvirmos pessoas reclamando do seu ser casamento, dizendo serem infelizes e que desejam viver somente suas próprias vidas, serem elas próprias, se encontrarem. Mas este “ser si mesmo” é impossível, casadas ou não. Não podemos falar nossa própria e única língua, pois se cada qual falasse uma língua própria, ninguém o compreenderia e não haveria comunicação. O ser humano é um animal social, nos constituímos na interação com o outro, não existe de fato o completo “si mesmo”.

A imagem do casamento puramente feliz causa grande dano. Casamento consiste de sacrifícios, alegrias, sofrimento, constante reconstrução e, para aqueles que realmente mergulham nele, traz uma profunda satisfação existencial.

São os sobreviventes dessa “luta” que conseguem, juntos, ver o casamento como um caminho de vida, uma busca existencial, e não uma situação estereotipada de valores sociais e econômicos. Esses sobreviventes conhecem o valor do que souberam construir!

*Por “casamento”/“relacionamento conjugal”, estou chamando todo e qualquer relacionamento afetivo entre duas (ou mais) pessoas que escolhem conviver juntas, compartilhando a vida, como companheiras de jornada. E isso independe de registro civil, celebração/benção religiosa ou moradia em conjunto.

Casamento: Encontros e Desencontros – Parte 1

*Por “casamento”/“relacionamento conjugal”, estou chamando todo e qualquer relacionamento afetivo entre duas (ou mais) pessoas que escolhem conviver juntas, compartilhando a vida, como companheiras de jornada. E isso independe de registro civil, celebração/benção religiosa ou moradia em conjunto.

Poucas coisas nas nossas vidas são tão rodeadas de cerimonias religiosas, legalistas e comemorativas quanto o casamento. Somente o nascimento e a morte são tratados com a mesma seriedade. Nossa cultura valoriza, em muito e há muito tempo, o ato de casar-se.

A escolha por um parceiro no mundo contemporâneo ocidental se dá, em sua grande maioria, a partir de uma escolha romântica, geralmente motivada pelo amor e pela atração sexual. Há os casamentos arranjados ou a compra de esposas, os quais não são piores nem melhores que os “casamentos românticos”, ambos trazem desapontamentos e desafios.

E não casar é supostamente anormal na nossa sociedade. Pessoas mais velhas solteiras, ainda hoje, são, muitas vezes, descritas como problemáticas, existe um terror sobre o fato de todos terem de casar!

É importante lembrar que, segundo os estudiosos, casamento e estrutura familiar não são naturais e nem instintivos, e sim um produto artificial do esforço humano.

Pessoas diferentes, usualmente com imagens, fantasias, modelos, valores e história de vida diferentes (muitas vezes opostas), com vitalidade e força distintas, prometem uma(s) a outra(s) estarem juntas, geralmente dia e noite, por toda uma vida. Tarefa extremamente difícil!!

A jovem encantadora, simpática, leve, doce e bem humorada se torna uma matrona intoxicada pelo poder. O jovem romântico, bem resolvido e com planos sublimes para o futuro se torna um covarde irresponsável e egoísta. “E agora?”, ambos perguntam ao psicologo, “o que fazemos?”

Sofrimento, desejo de acertar e de se reconectar

No casamento muitas vezes nos sentimos abandonados, rejeitados, traídos, não olhados, não valorizados, agredidos, incompletos, angustiados, tristes, perdidos, confusos, com sentimentos dúbios, desiludidos, solitários, destruídos, sugados, submissos, agressivos, com raiva, ciúmes exagerado, ódio, desejo de vingança etc. etc. etc. São muitas as queixas dos casais. E é no avesso desses sentimentos que podemos encontrar a verdadeira busca do casal.

“Onde nos perdemos?”

“Será que realmente algum dia nos encontramos?”

“Quem é você de fato?”

“Vale a pena ficarmos juntos?”

“Nós ainda nos amamos?”

“E os nossos filhos? Devemos nos manter juntos pelo bem deles?”

Essas são perguntas comuns entre os casais que estão passando por uma crise (e também entre os que não estão em crise!). Muitos, em meio à crise conjugal, andam se buscando, pessoalmente e como casal. Às vezes essa busca se dá de forma torta e tortuosa, um trombando e machucando o outro, acusando-se mutuamente. A terapia individual e/ou a terapia de casal podem ajudá-los nesse encontro, sem tantas trombadas e machucados.

É importante que o casal perceba os jogos sombrios que fazem um com o outro, as armadilhas que criam. É importante que eles vejam, o mais precocemente possível, o que realmente os machuca, o que realmente desejam do outro. Muitas vezes queremos atenção e carinho e, ao invés de fazermos esse pedido de forma explicita (por não sabermos conscientemente o que queremos ou por não querermos mostrar nossa vulnerabilidade), acusamos nosso parceiro de ter feito algo errado. Buscamos, inconscientemente, que ele nos dê atenção e carinho… talvez possamos conseguir atenção, mas não aquela que precisamos, que é acompanhada de carinho. Ou até podemos conseguir atenção e carinho, se o parceiro for convencido de que é culpado, mas, mesmo nesse caso, o jogo sombrio se coloca e prejudica a saúde dos parceiros e da relação.

O conflito entre individualidade/liberdade versus conjugalidade/comprometimento com o outro e com a relação

Muitas pessoas sentem que quando se casam perdem sua individualidade e, quando privilegiam a individualidade, correm o risco de perder a conjugalidade. Um casamento autentico é aquele em que cada qual tem uma busca comprometida consigo mesmo, em primeiro lugar, e com o outro, enquanto se achar que vale a pena.

Mas, uma busca comprometida consigo mesmo não é, de forma alguma, o mesmo que fazer apenas nossas vontades, ignorar as do outro e não sacrificar nada do nosso modo de ser. É possível desenvolver a nossa personalidade individual e, ao mesmo tempo, construir, junto com o parceiro, um casamento saudável. São os sobreviventes dessa “luta” entre o individual e o coletivo que conseguem, juntos, ver o casamento como um caminho de vida, uma busca existencial, e não uma situação estereotipada de valores sociais e econômicos. Esses sobreviventes conhecem o valor do que souberam construir!

Continue lendo a segunda parte deste artigo >> Casamento, encontros e desencontros – parte 2

Casamento: Encontros e Desencontros – Parte 2

A Origem dos conflitos

Os conflitos conjugais podem ter origem na própria relação, sendo desencadeados por situações mais ou menos recentes, como fatores de ordem econômica, mortes, doenças ou da modificação natural das personalidades de cada um, antes o casal podia ter um sonho em comum, depois os interesses podem ter mudado, e cada qual querer caminhar em direções opostas. Por exemplo, um casal podia ter como sonho em comum casar, constituir uma família, comprar uma casa própria ou viajar pelo mundo; depois de realizado esse sonho e de decorrido alguns anos, talvez um deles esteja buscando uma vida espiritual e o outro, em contrapartida queira investir tempo e dedicação em um empreendimento para ganhar muito dinheiro… essa divergência, esses sonhos não compartilhados, podem gerar um conflito na relação.

Os conflitos conjugais também podem estar relacionados com feridas antigas, provenientes de sofrimentos de quando crianças (ou mesmo bebes), de traumas e/ou de experiencias mal elaboradas de relacionamentos anteriores. Podemos nos tornar altamente sensíveis e/ou tiranos quando tocados nas nossas feridas mais antigas.

É necessário discriminar a origem do sofrimento atual, a sua raiz. Muitas vezes o casamento, através do desenvolvimento da dependência mutua dos parceiros, reinstala, em graus variados, ansiedades, medos e uma enorme gama de emoções relacionadas a esse passado não bem resolvido. Um homem que foi abandonado ou sentiu-se pouco cuidado pela mãe, por exemplo, pode ser tocado nessa ferida sempre que sua mulher quiser sair sozinha com as amigas: ele, inconscientemente tomado pela angustia do abandono/não cuidado do passado, projeta na mulher alguém que o está abandonando/não cuidando dele, não conseguindo ver que ela está, ao menos nesse caso, apenas fazendo um programa com as amigas (e não abandonando ele). Quando trazemos isso para consciência, podemos trabalhar e transformar a forma de vermos a relação, nós mesmos e nosso parceiro.

Amar é dar ou receber? Adultos ou bebês?

Geralmente encontramos casais em que cada um quer receber mais, e acha que já dá o suficiente. Como diz a psicoterapeuta de casais Gilda Montoro, “na teoria, amar é dar; na prática – o funcionamento do nosso piloto automático inconsciente, amar é receber.”

Um dos motivos disso acontecer é por persistir, na consciência coletiva da conjugalidade ocidental moderna, o desejo saudoso de ocupar o lugar de filho(a) – amado(a) incondicionalmente – e projetar no cônjuge uma mãe perfeita, que nutre completamente o parceiro(a) de coisas boas e remove as coisas ruins do dia-a-dia. Ou seja, espera-se que o outro dê suporte emocional, atenda nossas necessidades físicas, entenda nossos pontos de vista, traga alegria quando estivermos tristes, não nos deixe ficar com raiva etc. E, ao mesmo tempo, sentimos que o simples fato de existirmos para ele já é suficiente ou, dito de outra forma, “eu já faço tanto por ele, já abdico de tantas coisas pela relação”.

É importante que cada indivíduo faça a “passagem” de filho(a) para adulto. Desta forma eles podem, juntos, construir uma relação conjugal baseada no respeito mútuo; abrindo espaço para cada um desenvolver seu próprio potencial e criando uma troca saudável e criativa entre ambos.

Projeção: quando jogamos no parceiro nosso lado desconhecido

O parceiro projeta no seu amado muito daquilo que é seu, do seu interior, da sua sombra. Ele projeta aquilo que não consegue ver em si mesmo, aquilo que está, naquele momento, inconsciente, inacessível à sua consciência. E, assim, o amado recebe as projeções, dos anjos e dos demônios internos do parceiro, impactando profundamente a relação. Lembrando que essas projeções são de mão dupla, um sempre projeta no outro o que não consegue ver em si mesmo. Por isso Jung nos diz que nosso cônjuge é nosso espelho.

Geralmente o cônjuge que carrega a imagem projetada acaba sendo levado de um extremo ao outro: em alguns momentos é supervalorizado, noutros, subvalorizado; e, como consequência, a realidade humana dele fica distorcida. Muitas vezes, um aspecto da nossa personalidade que não suportamos em nós mesmos é projetado no outro e, ao vermos essa parte tão “feia” e “repulsiva” no cônjuge, acabamos por atacá-lo.

Por exemplo, uma mulher que tem um lado egoísta extremamente reprimido (por ter aprendido com os pais que esta não é uma característica bem quista e que pode ser punida se assim for) pode projetar esse aspecto no seu marido e ver, em todos os atos dele, algo de egoísta, passando a acusá-lo diariamente: “você não lavou o meu prato porque só pensa em você!”, quando o marido não lavou o prato por estar atrasado para pegar os filhos na escola. Esse marido pode ou não ser muito egoísta, um pouco egoísta todos nós somos. Muitas vezes, ao receber tamanha projeção (ouvir todos os dias que é egoísta) ele pode chegar a acreditar que realmente o é. E, a mulher, realmente acredita que ele seja extremamente egoísta, não desconfiando que, muito desse egoísmo que vê nele, é seu, uma projeção do seu lado egoísta reprimido e inconsciente.

As projeções podem exercer tamanho domínio sobre a personalidade de quem as recebe, que, nesse caso, por exemplo, o marido pode ser levado a corresponder inconscientemente a essas projeções, tendo cada vez mais atitudes egoístas a fim de “atender” a expectativa (também inconsciente) da esposa.

A força da imagem projetada tem efeito perturbador, tanto para o individuo que faz a projeção quanto para aquele que recebe. O caminho que essa projeção percorrerá no casamento é que determinará uma evolução criativa ou não para a relação.

Quando as projeções são maciças e o casal tem pouco autoconhecimento, os parceiros ficam fechados às possibilidades de descobrir e sentir quem eles realmente são para eles mesmos e para o outro. Nesses casos, a terapia de casal pode ser fundamental para o casal, ajudando-os a discriminar o que é projeção e o que é realidade, o que é de um, o que é do outro; promovendo, assim, autoconsciência, clareza na relação e amenizando os conflitos.

Casamento ideal versus casamento real: quando a imagem do casamento perfeito atrapalha

Esperamos muito do Casamento. Exigimos que ele nos preencha completamente, buscamos encontrar o sentido das nossas vidas no casamento. Antigamente, era mais comum buscarmos esse preenchimento, esse sentido de vida, na religião, na maternidade, na família, no trabalho, na meditação etc. e não só no casamento. Esperar tanto do casamento pode agravar os problemas conjugais, já que as expectativas colocadas nele são impossíveis de serem realizadas.

A imagem do casamento puramente feliz causa grande dano. Casamento consiste de sacrifícios, alegrias, sofrimento, constante reconstrução e, para aqueles que realmente mergulham nele, traz uma profunda satisfação existencial.

*Por “casamento”/“relacionamento conjugal”, estou chamando todo e qualquer relacionamento afetivo entre duas (ou mais) pessoas que escolhem conviver juntas, compartilhando a vida, como companheiras de jornada. E isso independe de registro civil, celebração/benção religiosa ou moradia em conjunto.

Jovens Transgêneros: a questão da identidade de gênero na adolescência

trans-genero

A adolescência é considerada a fase de transição da infância para a vida adulta. Neste período, o perfil padrão dessas “crianças” (na sociedade ocidental contemporânea) costuma ser o de não aceitar o que é imposto, mas também o de não poder decidir, pois ainda dependem dos pais.

Várias questões surgem nesse período: o desejo de mostrar uma personalidade forte e independente; o entendimento dos problemas do mundo e dos problemas familiares e, principalmente, a sensação de não ser compreendido.

A não compreensão dos outros e o sentimento de não ser compreendido pode ser um reflexo de uma não compreensão de si mesmo. Isso é comum na adolescência e o surgimento de algumas perguntas específicas podem indicar uma crise de identidade: quem eu sou? Eu me identifico com o que eu vejo no espelho? Eu me aceito como eu sou?

Crise de identidade na adolescência

Na adolescência o individuo começa a se perguntar quem ele é, do que gosta e o que quer. Na busca por essas respostas, os jovens geralmente se entregam a muitas e diversas experiências… é comum encontrarmos jovens que mudam frequentemente de opinião, de grupo e de tudo mais que for possível. Eles estão experimentando diferentes modelos e formas de ser e viver para, assim, encontrar quem são.

Até a adolescência, o mundo deles era geralmente aquele moldado pelos pais: a casa, a escola, os passeios, os amigos… geralmente todos escolhidos de acordo com os valores, princípios e formas de viver dos pais.

Na adolescência o jovem começa a ver o mundo além dos muros de sua casa familiar, eles expandem seus horizontes e deparam-se com mundos novos, seja nos livros, na internet, nas ruas ou mesmo dentro de seu próprio ser (que agora começa a se diferenciar significativamente da forma de ser e pensar de seus pais). Nessa trajetória de autoconhecimento, a identidade de gênero, bem como a orientação sexual, vem se tornando uma questão cada vez mais frequente.

Afinal, o que significa identidade de gênero e indivíduo trans?

Tradicionalmente, a questão de gênero é tratada considerando apenas homens e mulheres cisgêneros (“cis”): indivíduos que nascem com a genitália masculina e se identificam como homens e indivíduos que nascem com a genitália feminina e se identificam como mulheres. Ou seja, cisgêneros são pessoas cuja identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído ao nascer a partir de suas características físicas biológicas. E, identidade de gênero é como o indivíduo se reconhece, se vê, se sente e se define – homem ou mulher.

Porém, quando falamos hoje da questão de gênero, estamos ampliando o conceito tradicional já que o mundo contemporâneo vem se tornando cada vez mais inclusivo. Aqui, apresentamos o termo transgêneros (“trans”). A ele definimos como indivíduos que possuem uma identidade de gênero diferente do sexo em que nasceram. Simplificando: o corpo e a mente não estão sintonizados.

Desse modo, uma pessoa que possui o sexo biológico masculino, mas a sua identidade de gênero é feminina, a chamamos de mulher trans. Se alguém que nasce com o sexo biológico feminino, mas a sua identidade de gênero é masculina, ele é chamado de homem trans.

Ressalta-se aqui que alguns indivíduos transexuais buscam procedimentos de redesignação do sexo, incluindo intervenções cirúrgicas e tratamentos hormonais. Nem todos buscam tais medidas, elas não são um requisito para o reconhecimento da identidade de gênero, elas podem ou não fazer parte da transição física de transexuais e transgêneros.

Os termos que ajudam a entender essa questão

Para que você compreenda que a identidade de gênero não é uma caixinha fechada, é necessário conhecer os termos que causam dúvidas aos iniciantes. Veja-os abaixo:

  • Orientação sexual – é utilizado para caracterizar se a pessoa se considera heterossexual (se relaciona com alguém de gênero diferente); bissexual (se relaciona com pessoas de ambos os gêneros), homossexual (se relaciona com pessoas do mesmo gênero) ou assexual (não se relaciona sexualmente, não tem interesse sexual).
  • Sexo biológico – refere-se aos cromossomos e à genitália que a pessoa nasce. Ele que define se o bebê esperado é homem ou mulher. Esse termo abarca ainda a classificação intersexo que representa a genitália que não tem características específicas nem masculinas nem femininas (como os hermafroditas, por exemplo).
  • Expressão de gênero – representa dois aspectos:

1. o que a sociedade definiu como uma apresentação feminina ou masculina. Sendo assim, na cultura brasileira, o comum é que mulheres usem vestidos, saias, maquiagem etc. E que os homens usem calças, bermudas, camisas regatas, terno e gravata etc. Exemplos clássicos e tradicionais hoje já considerados ultrapassado por muitos são: quarto rosa, boneca e batom para meninas; quarto azul, bola de futebol e carro para meninos.

2. Como escolhemos nos mostrar para o mundo. Isso inclui uma quebra dos padrões impostos. Logo, o padrão de apresentação que a sociedade construiu não é seguido. As pessoas se apresentam como elas gostam e se sentem à vontade. Válido destacar que esse rompimento não se restringe a pessoas transexuais, mas está muito associado a eles, sobretudo, no início da transição.

Conhecer esses termos é fundamental para entender as dúvidas pessoais (para os que estão se descobrindo trans) e para aqueles que convivem com pessoas que estão passando pela transição.

Identidade de gênero e adolescência

Com a internet muitas pessoas têm encontrado respostas para perguntas nunca respondidas. Por isso, não se deve considerar que o adolescente está embarcando em uma modinha ou está se deixando levar por algo que leu. Ele pode simplesmente ter encontrado uma resposta simples para uma batalha interna que nem ele sabia que estava vivendo.

Embora se fale muito na palavra empatia, às vezes, é difícil criar esse ambiente entre os nossos familiares. Então, o primeiro passo para ajudar o adolescente a entender esse processo é escuta-lo, é se colocar no lugar dele, é não o julgar e tentar ser um porto seguro nos momentos de conflito. Se ele não encontrar isso em casa, dificilmente encontrará em outro espaço.

E é fundamental também a empatia para com os familiares que estão tendo que lidar, pela primeira vez e sem “repertorio social”, com a transgeneridade. Social e culturalmente essa é uma questão muito nova no mundo ocidental contemporâneo e geralmente muito desafiadora para a geração dos pais, tios, avôs, professores, patrões etc. dos jovens trans. Lembrando que ter empatia não é concordar com a visão, postura e comportamento do outro, mas entende-lo a partir do ponto de vista desse outro. Pais e filhos precisam de um espaço para serem ouvidos e acolhidos em seus conflitos e angustias.

> Como ser pais nos dias atuais (abre numa nova aba)”>Leia também >> Como ser pais nos dias atuais

É no espaço de escuta empática e não julgadora que podemos entender e conviver melhor com o outro, que às vezes pensa, sente e é muito diferente de nós. Não é um tema fácil, uma interação fácil, uma comunicação fácil. É, antes de tudo, um desafio não só individual e familiar (entre pais e filhos), mas coletivo (das instituições, como escolas e locais de trabalho por exemplo, e dos valores morais sociais).

Importante dizer que a identidade de gênero é uma questão que se apresenta fortemente ao individuo na adolescência, mas não é só nessa fase da vida. Estudos apontam que esta questão pode aparecer ao indivíduo em qualquer momento, seja aos dois anos de idade, no final da primeira infância (por volta dos 6 anos), na vida adulta ou na velhice.

O encontro consigo, a paz com o espelho

A maioria das pessoas trans, mesmo aquelas que ainda não tem essa resposta clara, costumam não aceitar o que veem no espelho e não possuem uma relação de paz com a mente. Por isso, é importantíssimo que esses jovens, e também suas famílias, tenham um acompanhamento com um especialista para que eles sejam ajudados a ter um encontro puro e verdadeiro com a sua essência. A partir disso, ele estará preparado para encarar o tradicional e ser quem ele é realmente é.

Dinamismo masculino e feminino: um pouco da teoria psicológica junguiana

Segundo a Psicologia Analítica de Jung, ser masculino não é propriedade do homem, mesmo sendo ele que reúne, na visão contemporânea até aqui, mais condições biológicas, psicológicas e socioculturais de intimidade com esse princípio. O mesmo podemos dizer do principio feminino. Trata-se de um dinamismo presente tanto no homem, quanto na mulher.

Segundo Murray Stein, psicoterapeuta junguiano consagrado, “Masculino e Feminino são qualidades da personalidade humana comuns a ambos os sexos. Porém a natureza do homem tende a ser mais arraigada num espirito Fálico, enquanto a da mulher tende a emergir de um espirito Uterino”.

Importante deixar claro aqui quais são as “características” do feminino e do masculino na visão junguiana. O feminino (o Yin; segundo a doutrina do Tao, ou “espirito Uterino”,) está relacionado, entre outras coisas, com natureza, instinto, emoções, união, relacionamento, contato, fusão, Eros; gestante, receptivo, doação, contenção, apoio; materno doador, materno devorador.

E o masculino (Yang, ou “espirito Fálico”) está relacionado com discernimento, espírito, ordem, abstração, impulso para ação, agressivo, combativo, desafiador; reflexão, consciência, discriminação, cognição, disciplina, lei, abstração, logos.

Podemos questionar a visão de que a “natureza” do homem é ser mais fálica (e a da mulher uterina): será mesmo uma questão de natureza? Mas aqui não quero me ater a isto (quão natural ou quão cultural é), mas sim ao fato de que homens e mulheres apresentam os dois princípios (masculino e feminino) e ao fato de que nossa sociedade geralmente atribui o princípio masculino ao homem e o feminino à mulher.

Tanto o homem como a mulher têm em si um lado feminino e um lado masculino, ambos importantíssimo ao indivíduo. Lidar de forma equilibrada com esses dois aspectos internos é essencial para uma vida completa e saudável. Quando um desses aspectos é negligenciado, podemos observar comprometimentos na personalidade, nos relacionamentos afetivos e na forma do indivíduo lidar e estar no mundo.

Estamos tão impregnados dos valores coletivos patriarcais que entendemos os modelos culturais de conduta de homens e mulheres como a verdadeira natureza dos mesmos. Podemos ter nascido homem ou mulher, nos identificarmos como homem ou mulher, mas todos temos dentro de nós o princípio masculino e o princípio feminino, os quais precisamos conhecer e nos relacionar de forma inteira e acolhedora.

COVID-19, Muitos Aprendizados

Hoje recebi um vídeo gravado por mergulhadores em 30 de março de 2020: uma família de golfinhos saltava “serelepe” em plena Baia de Santos. Sim, não era em Fernando de Noronha, era na Baia de Santos!

Quando os homens se confinam, os animais, antes confinados, podem sair de suas “tocas” e novamente ocupar de forma plena o planeta. Amigos e pacientes também relatam um número maior de pássaros e borboletas nas janelas de suas casas e, todos nós estamos respirando um ar mais puro.

O que nós, indivíduos e humanidade, podemos e devemos aprender com essa experiência surreal?

O COVID-19 está aqui, é intenso, rápido, devastador… não dá para negar. Mas, o que ele pode nos ensinar?

Cuidar da natureza, lembrar que existem outras espécies que vivem conosco nesse planeta e que têm o direito de ocupá-lo mais livre e saudável; valorizar a ciência, os jornalistas, a escola e os médicos, são alguns exemplos.

Esse vírus traz consigo uma doença. Muitas linhas da saúde acreditam que a doença é um alarme para despertarmos… é o nosso corpo gritando, pedindo ajuda. Hoje é também o “corpo-humanidade” que grita como um todo!

Se tivermos dores de estomago ou gastrite talvez algo não esteja sendo, simbolicamente, bem digerido ou algo esteja queimando, nos corroendo por dentro. Se há dor de garganta ou inflamação nas amigdalas, pode ser o corpo mandando um recado: “você precisa falar mais, expressar-se mais, colocar as coisas que sente para fora”. Se há problemas de prisão de ventre, talvez o indivíduo não esteja conseguindo eliminar coisas tóxicas que vive no seu dia a dia em casa, ou, outra opção, é ele estar com dificuldade em produzir e levar para o mundo sua produção criativa. E por aí vai… Lembrando que estes são apenas exemplos, não regras; apesar dos símbolos (que se relacionam com as doenças) serem coletivos, trazem também muito da vivencia pessoal de cada um.

Partindo do paradigma de que a doença é um alarme para despertarmos e que, se não a ouvirmos, ela agrava, devemos nos perguntar: o que o COVID-19 quer nos dizer?

Penso ser um momento de cura da humanidade, um convite para uma reforma íntima e também coletiva. É preciso mergulhar para vermos o que há dentro de nós que precisamos cuidar, enquanto indivíduos e enquanto espécie.

Saúde Mental em Tempos de Corona Vírus – Como lidar com a ansiedade, o pânico e a depressão?

Muitos já vivenciavam angustia, pânico, ansiedade e depressão. Hoje, frente a pandemia, esses sintomas e o número de pessoas atingidas por eles cresce. As pessoas temem sua própria morte ou a morte de um ente querido, temem a hospitalização, o colapso financeiro, a pobreza, a fome, a violência, a falta de alimentos etc.

A ansiedade é uma inquietação da mente ligada ao futuro. O COVID-19 nos apresenta um futuro completamente incerto, as informações mudam a todo instante, o panorama é tão novo que nos parece irreal, uns negam, outros entram em pânico, outros lidam de maneira um pouco mais equilibrada.

Abro aqui um parênteses para pontuar algo bem importante: alguns sintomas de pânico podem ser confundidos com os sintomas do corona vírus: ao entrarmos em pânico, nosso organismo apresenta dispneia (dificuldade para respirar), falta de ar, sensação de estar morrendo, desespero e, consequentemente, aumento da temperatura corporal. É importante buscar se acalmar e centrar-se, no momento da crise (o que é um pouco difícil), no inicio dela e, também, ao longo desses dias todos de quarentena e pandemia (como medida preventiva), por isso:

  • Faça psicoterapia, meditação e esteja ativo (estimulando corpo e mente),
  • Organize uma rotina diária, fale com amigos,
  • Diminua o “consumo” de informações/noticias sobre o tema (limite-se a acessar apenas sites/jornais confiáveis, se informando apenas uma ou duas vezes ao dia sobre o que está acontecendo e como proceder),
  • Não se cobre e não se critique muito (afinal todos nós estamos passando por tempos turbulentos),
  • Ouça música e faça coisas que lhe dão prazer e que lhe façam rir (mesmo e apesar desse contexto),
  • Cuide da alimentação e da higiene, tome sol, faça atividades relaxantes e atividades expressivas (como escrever, tocar um instrumento, dançar e pintar).

São coisas que nos ajudam a não nos entregarmos ao desespero e à depressão. Lembrando que não nos entregarmos é diferente de negarmos a realidade e a gravidade da situação. Responsabilidade e cuidado com o outro e consigo mesmo é fundamental!

A Importância do Cuidar

O tema “cuidado” deve ser um dos nossos grandes aprendizados nesse momento: cuidar de si (alimento, corpo, emoções), do outro (solidariedade) e também aprender a permitir-se ser cuidado.

Uma amiga relata, a partir da leitura de um dos seus inúmeros livros que adquiriu para passar a quarentena, que descobriu quanto importante é dormir bem. O livro trata desse tema e ela, inconformada com a negligência que todos nós tratamos o sono apesar de existirem, há muito tempo, varias pesquisas cientificas apontando para os danos causados por uma má qualidade do sono, já começa a rever seus hábitos para poder dormir melhor.

Muitas pessoas que antes ficavam apenas enfurnadas em seus escritórios, afazeres profissionais, academias, vitrines e “espelhos”, agora têm a possibilidade de olhar para fora, mesmo de dentro de casa, e, ao encontrarem a fragilidade do outro, organizam-se para doar cestas básicas, montar grupos de apoio, durante o confinamento. Solidariedade! E como é gostoso ouvir o relato dessas pessoas que, perante o caos, encontram prazer em ajudar o outro.

Alguns “médicos seniors”, altamente qualificados, que sempre lutaram em não demostrar sua fragilidade, amedrontados agora com os sintomas de gripe e/ou ansiedade, começam a buscar ajuda nos enfermeiros, fisioterapeutas e psicólogos. Eles estão aprendendo a olhar e a aceitar suas vulnerabilidades, pedir e receber cuidado pela primeira vez depois de adultos. E isso é, psicologicamente falando, muito importante e rico para o crescimento pessoal do indivíduo.

Aprendizados Coletivos

Uma colega, enfermeira de um grande e importante hospital público de São Paulo, relata sua experiência em tempos de corona vírus: nunca ela, nem seus companheiros enfermeiros, médicos, fisioterapeutas e agentes de saúde em geral, foram tão bem tratados e reconhecidos pela sociedade. Entre aplausos populares vindos das janelas de todo Brasil, agora também recebem, da população civil, pizza para se alimentarem durante o expediente e, do sistema de saúde, camas apropriadas para descansarem durante os plantões de trabalho (antes deitavam no chão ou em macas improvisadas no corredor).

Segundo ela, o COVID-19, além precarizar a rede dos hospitais privados, trouxe sobriedade às pessoas: agora elas se preocupam com os idosos, com a condição dos hospitais e dos profissionais da saúde, dos moradores de rua, ambulantes, moradores das diversas comunidades, cuidam mais da sua saúde, lembram que a morte existe, que as coisas são finitas, que têm afeto e vontade de estarem com as pessoas queridas etc.

E os pais? Com vários pais e filhos “presos” dentro de casa, eles descobriram a importância e o prazer de estarem mais próximos dos seus filhos… são muitos os relatos de felicidade de poderem estar pertinho de suas “crias” e perceberem a satisfação dos filhos com essa proximidade.

Mas há também o desespero: “o que faço com essas crianças sem escola?” e, “como eu vou ensinar o conteúdo que os professores estão passando virtualmente?” Nas ultimas décadas muitos pais vinham delegando à escola e professores a educação completa (social, emocional, cognitiva, ética, moral…) de seus filhos, isentando-se quase que completamente da responsabilidade de educa-los. Além de conhecê-los e interagir mais de perto, agora os pais, entre “surtos” e/ou gargalhadas, precisam aprender a educá-los. E mais, hoje são eles que estão sendo chamados, de alguma forma, a dar conta de tudo, ensinando alguns dos conteúdos formais escolares, precisando ser um pouco professor quando suas crianças não compreendem perfeitamente o que a escola solicitou.

Pais e sociedade descobrem a importância dos professores! A arte, artistas, cultura veem ganhando algum reconhecimento, mas ainda bem tímido a meu ver. Profissionais da segurança pública, policiais, bombeiros etc. ainda aguardam reconhecimento.

Estamos também aprendendo a valorizar o sol, a liberdade de ir e vir, os abraços, o pegar na mão, o encontrar entes queridos; aprendendo a apreciar a beleza da natureza e de todas pequenas coisas da vida. E muitos estão descobrindo e aprendendo que muitas pessoas (e outros seres vivos) nunca ou pouco tiveram a possibilidade de vivenciar essas pequenas coisas.

O tempo, a falta de tempo, a ecologia, o respeito mutuo etc. etc. etc., são muitas aprendizagens possíveis.

Aprendizados Individuais

Individualmente o COVID-19 e a quarentena nos convidam a uma reforma íntima. É extremamente difícil olharmos para dentro, abrir nossas gavetas internas, mexer no nosso “lixo”, na nossa sombra. Há muito medo do nosso próprio julgamento, há o receio da transformação (algumas vezes, mesmo quando conscientemente dizemos que queremos mudar, há um outro lado, inconsciente, dentro de nós que teme essa mudança e tenta nos boicotar).

Mas em meio a esse aparente “lixo” todo, em meio às nossas “feras ferozes internas”, sentimentos e posturas “deploráveis” (seja de raiva, egoísmo, incompetência ou fraqueza, por exemplo), habita, dentro de nós, nossa criatividade, nossa força, nossa potencia. Podemos acessar coisas julgadas boas e coisas julgadas más, coisas que não conhecíamos ou que não queiramos ver de nós mesmos. E, a partir disso, podemos nos tornar mais inteiros.

Podemos, como os alquimistas, misturar “substâncias” e transmutarmo-nos para algo além. Os alquimistas buscavam transformar pedra em ouro… esse é o convite!

A grande maioria dos meus pacientes que agora, na quarentena, atendo por vídeo, não trazem necessariamente novas questões frente a pandemia. Quando olhamos com cuidado observamos que são as mesmas questões de antes, mas amplificadas e aprofundadas. O vírus e a quarentena têm ajudado-nos, eu e meus pacientes, a mergulharmos mais fundo em suas almas. Com esse mergulho profundo, acredito, podemos emergir transformados em pessoas mais autoconscientes e mais inteiras (o mesmo acontecendo com a humanidade).

Rever e destruir padrões mentais, comportamentais e emocionais tem sido um tema recorrente e forte nas sessões: limpar a casa, concreta e simbolicamente. Olhar para tudo que temos, selecionarmos o que ainda nos serve, deixarmos ir o que não nos faz mais sentido ou que nos faz mal: falar “tchau” para nosso lado excessivamente autocritico, para um relacionamento abusivo e tóxico, para o papel de vitima ou de superprotetor que ocupamos na nossa família etc., são alguns exemplos desse processo de limpeza. Momento de desapego, de limpeza para dar lugar ao novo e para abrir espaço para aquilo que realmente valorizamos e queremos em nós e em nossas vidas.

Momento de nos fecharmos em casa, mas nos abrirmos para novos mundos. Momento de nos abrirmos, com olhos abertos e muito atentos, para o novo e desconhecido, dentro e fora de nós.

Alguns dizem que não vêm a hora de tudo voltar ao normal, eu prefiro que nada mais seja como antes, que nós possamos aprender, e muito, com essa doença que hoje nos assola violentamente, mas que, ao meu ver, só traz a tona as doenças que já existiam no amago do nosso ser e da nossa sociedade.