Desafios de como ser Pais nos dias atuais

Desafios-de-como-ser-pais-nos-dias-atuais-1

Nas gerações passadas, a dinâmica familiar era quase sempre desenhada da mesma forma: pai trabalhando fora e a mãe cuidando da casa e da educação dos filhos.

Os meios de comunicação eram limitados e criavam-se os filhos com uma rigidez quase militar. O que faz muitas pessoas visualizarem essa sistemática como a única que realmente funciona e consegue formar pessoas de bem e adultos responsáveis.

Na atual conjuntura, uma mudança cultural levou a mulher ao mercado de trabalho e a responsabilidade pela educação dos filhos passou a ser dividida com toda a família. E, muitas vezes delegada a babás, professores particulares, escolas, clubes, nutricionistas etc.

A tecnologia e o acesso fácil à internet abrem um mundo de informações e estímulos a crianças e adolescentes. Há quem diga que essa nova geração deveria ser educada da mesma forma que os nossos pais e avós foram criados.

Os tempos mudaram, mas será que também mudou a forma como pais e filhos se relacionam?

O “melhor sistema” para a educação de filhos não existe

A tarefa de criar e educar os filhos é realizada de diversas maneiras, variando muito, dependendo da época, da cultura e do estrato social em eles encontram-se inseridos. A forma que hoje o mundo ocidental cria “seus filhos” não é única e, provavelmente, também não é a melhor forma possível. Por isso estamos constantemente vendo e revendo formas de educar crianças e adolescentes.

Como diz o subtítulo desse artigo, o “melhor sistema” para a educação de filhos não existe! Por exemplo, na Idade Antiga, as classes superiores romanas, que queriam fazer de seus filhos guerreiros qualificados e homens de estado capazes, tinham que educar seus filhos diferentemente dos cristãos primitivos, para os quais a maior preocupação era fazer com que seus filhos aprendessem a amar a Deus e assim ganhassem o paraíso.

As metas de nossa educação mudam praticamente a todo o momento, antes a cada 10 ou 20 anos e hoje chega a mudar de um ano para outro. Hoje, logo que formulamos um estilo de educação, surge uma nova imagem modelo de homem e a meta educacional precisa, consequentemente, mudar também. Por essa razão, entre outras, é impossível avaliar a eficácia de uma forma de educação em particular.

Então, podemos concluir, nas palavras de Guggenbuhl-Craig, analista junguiano, que, independentemente de nossos esforços, os vários sistemas de educação exprimem simplesmente nossas próprias fantasias e concepções sobre educação, respondendo à questão de como as crianças devem ser formadas para se tornarem os adultos que queremos que sejam.

Qual a meta educacional da nossa sociedade atual? Que tipo de pessoas queremos formar?

O mais difundido sistema de educação atual ocidental prega o controle parental cuidadoso sobre nossos jovens da infância à adolescência, promovendo pessoas com fortes sentimentos e ligações pessoais, mas que tendem a ser continuamente desiludidos pelo grande mundo quando começam a perceber que nem todas as outras pessoas são tão amorosas quanto “papai” e “mamãe”. O grande problema desse sistema de educação é o fato dele ser e desenvolver indivíduos narcisistas. A grande vantagem é que se estimula uma maior capacidade de amor pessoal. Vale lembrar que apesar desse ser o modelo educacional “escolhido” e “defendido” como “correto” em nossa sociedade atual, nem todos os filhos, por motivos diversos, recebem esse tipo de educação. Mas, de qualquer forma, esse é o modelo visto com bons olhos pela nossa sociedade.

Mudança cultural, culpa e narcisismo

Com a inserção da mulher no mercado de trabalho, tanto o pai, quanto a mãe, passaram a ficar mais tempo fora de casa, consequentemente, terceirizando o cuidado com os filhos, seja na escola, atividades extracurriculares ou cuidadores.

Diferente das gerações anteriores, os pais atuais se veem cobertos de culpa por não passarem tanto tempo com os filhos. Isso também é reflexo da própria criação que receberam, mais distante e menos emotiva. Por algum tempo várias linhas da psicologia defenderam que o importante era a qualidade do tempo que se passava com os filhos, e não a quantidade, amenizando o sentimento de culpa dos pais. Durou pouco, hoje essa premissa já é questionada.

Para suprir as necessidades emocionais dos filhos, os pais costumam substituir as horas de companhia por bens materiais, estimulando o consumismo exagerado e sendo permissivos, na ilusão de que estão levando sua criação de forma livre, sem a rigidez com que foram criados e de que se ressentem tanto.

O medo de não serem realmente amados pelos filhos faz com que evitem qualquer tipo de frustação e ao menor sinal de desconforto emocional da criança ou adolescente, algo deve ser feito imediatamente para evitar que sintam dor, sofrimento ou infelicidade.

Há também o desejo de perfeição que é projetado nos filhos. Estes devem ser os melhores: os mais competentes, com maiores habilidades (intelectuais, emocionais, sociais, esportivas, artísticas etc.), mais altruístas (desde que não percam o primeiro lugar no pódio ou na fila, é claro) e muito felizes e realizados… compensando, assim, a infelicidade e a falta de sentido que muitos adultos vivenciam em suas próprias vidas; ou compensando aquilo que lhes foi negado na infância e juventude.

É importante, enquanto pais, nos perguntarmos: a quem estamos tentando agradar? Aos nossos filhos, a nós ou aos outros?

Muitos pais, mesmo sem perceber, mesmo inconscientes dessa atitude, querem que seus filhos sejam o que eles queriam ser e não são, ou não foram. Podem também usar seus filhos como “troféus” perante familiares e amigos, numa tentativa narcísica e desesperada de mostrarem ao mundo como são pais extremamente competentes e bons: precisam se sentir e serem reconhecidos como pais perfeitos para se sentirem inteiros.

Alguns, ou melhor, vários pais, divorciados ou não, competem entre si para saberem quem é o melhor pai/mãe, o mais competente, ou qual é aquele de quem o filho mais gosta. É fácil intuir que essa competição não é nada saudável, nem para os filhos, nem para os pais.

Os filhos, neste contexto acima apresentado, costumam ocupar um lugar central na vida familiar, sobrecarregando-os de atenção, ”hipercuidado”, “hiper exigência” e gerando uma sensação de “dívida” imensa para com seus progenitores (ou cuidadores). Precisam ser perfeitos e amar seus pais/cuidadores incondicionalmente. Ser o centro da família por um longo período (infância, juventude e, muitas vezes, se estendendo à vida adulta) tem um preço muito caro a ser pago. Ao tentarem agradar seus pais, os filhos muitas vezes acabam distanciando-se em demasia do que eles realmente são e querem para si mesmo. Apatia, baixa autoestima, imaturidade, depressão e ira incontrolável são algumas das consequências possíveis num quadro como este, quando não olhados, cuidados e transformados.

Mas calma, todos nós – pais, filhos, sociedade – estamos em constante aprendizado, não somos perfeitos, erramos e vamos continuar errando muito… faz parte da vida. Mas também é inerente ao ser humano desenvolver-se enquanto individuo e enquanto sociedade, transformando e transmutando-nos. O aprendizado faz parte de nossa trajetória. Olhar atentamente e com “carinho” para nós mesmos, para nossos pais e filhos, para a dinâmica familiar em que estamos inseridos é o primeiro passo para modificarmos aquilo que não está funcionando muito bem. O processo psicoterapêutico é uma das maneiras, não a única, de auxiliar o individuo neste caminho, já que promove e facilita o autoconhecimento através da escuta apurada e sem julgamento por parte do profissional.

Mimados, egocêntricos e privados de contato humano

A criança, mesmo muito pequena, monopoliza e “manda” na casa. A alimentação, por exemplo, fica a critério do paladar dos filhos, seja saudável ou não. Aqui encontramos novamente um sobrepeso para os filhos: controlar uma casa e ter que se haver com tantas opções de escolha é muita responsabilidade para uma criança, mesmo que, aparentemente, ela pareça extremamente satisfeita com esse poder todo. Uma criança pequena ainda não tem discernimento do que é certo ou errado, do que pode ou não pode fazer.

Por outro lado, há sempre alguém para arrumar os brinquedos, o quarto e o material escolar, até mesmo dos adolescentes. É preciso que o adulto decida coisas por ela e pela casa, é preciso que o adulto imponha limites e ensine-a que cumprir regras vai fazer parte da convivência dela em seu meio social.

Crianças, e até bebês, têm acesso a celulares e tablets desde pequenos, uma solução que se mostra eficiente ao menor sinal de choro ou insatisfação. Esta é uma distração cada vez mais recorrente, que prende aquele pequeno indivíduo em um mundo onde não há a necessidade de interação com outras pessoas; onde a frustração é mínima; onde a espera é nula e onde seus atos (geralmente o toque do polegar num visor) não geram consequência alguma (não desenvolvendo a noção de responsabilidade pelos seus atos). Este cenário precisa ser visto e cuidado. Já há, por exemplo, evidências de sintomas autistas em crianças muito pequenas devido ao uso indiscriminado de aparelhos eletrônicos em detrimento do contato humano, contato este que é fundamental para o desenvolvimento emocional, motor e cognitivo do individuo.

Conforme vão crescendo, a internet também entra em suas rotinas, trazendo informações sobre variados assuntos (algumas vezes inverídicas ou improprias para idade da criança) e amizades virtuais que podem ser bastante negativas (e até mesmo criminosas).

Na ânsia de acertarem e protegerem os filhos, muitas vezes os pais da atualidade formam indivíduos mimados e egocêntricos, que não sabem lidar com pessoas e com sentimentos como fracasso, frustração, tristeza etc.

O equilíbrio como aliado na educação

Nem tão rígidos como foram criados, nem tão permissivos como estão criando seus filhos. Todos nós sabemos que a diferença entre remédio e veneno está na sutileza da dosagem.

Se no passado alguns de nós fomos educados de forma severa, não necessariamente devemos repetir com nossos filhos e, uma relação mais amorosa não vai interferir de forma negativa na criação de um indivíduo.

Ensinar os filhos a organizar os brinquedos, o quarto ou ajudar em pequenas atividades domésticas não vai fazer com que eles amem menos os pais, ao contrário, vai trabalhar seu senso de responsabilidade e deixa-los mais independentes. O exemplo deve vir dos próprios pais e cuidadores.

Mas será que não enxergamos os erros que cometemos, tentando acertar na educação dos nossos filhos? Muitas vezes não, pois, por mais que tentamos acertar, temos nossos pontos cegos e nosso limite humano (não somos perfeitos!).

Buscar ajuda não desmerece o papel dos pais

Cresce muito o número de pais que se preocupam em entender as reais necessidades de seus filhos e formar indivíduos mais preparados para viver em sociedade. E esta não é uma luta solitária.

Nos dias atuais as mudanças de uma geração a outra é muito mais intensa do que antes, o mundo gira muito mais rápido, tornando mais difícil a percepção, a escolha e a ação do que e de como lidar com nossos filhos e com nós mesmos enquanto pais e educadores. O mergulho no mundo virtual das crianças e adolescentes e as questões de gênero (leia sobre este tema no próximo artigo) são bons exemplos disso. Educar exige dedicação, amor, responsabilidade, maturidade, consciência e, “cá entre nós”, muita paciência! Você não vai ser menos pai ou mãe se procurar ajuda de profissionais, escolas ou livros. Educar não é uma tarefa fácil, nem simples.

COVID–19 e a Realidade Surreal

As lembranças de alguns filmes não param de vir a minha mente.

Do recém grande premiado no Oscar, Parasita, passando pelo óbvio Epidemia e terminando no maravilhoso O Sal da Terra, documentário sobre o grande fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado.

Em Parasita, a fala do pai (Song Kang-ho), em meio a um galpão/abrigo, após a calamidade decorrente da intensa chuva e consequente inundação de várias regiões da cidade, para seu filho (Choi Woo-shik) me fisga a todo momento: ele fala (não sei precisamente suas palavras, mas foi o que ficou em mim registrado) que não é possível prever as coisas, que não temos o controle de nada, que nada é garantido. Ou seja, ele fala da nossa “pequenez” diante do mundo, da nossa frágil ideia de controle da nossa vida, em que nossos planos, vontades e, aqui eu acrescento, mesmo as ideais que temos de nós e dos outros de repente se rompem, desfazem. As vezes são surpresas positivas, outras não. E como lidar com as surpresas negativas que nos tiram o chão? Como lidar com as incertezas decorrente desse “destrilhamento”?

No filme citado acima, filho e pai seguem caminhos bem diferentes (e, aqui, não vou dar spoiler… para aqueles que não viram o filme, vejam!). Qual o caminho que podemos seguir frente as pedras que surgem em nossos caminhos?

É aqui que o filme O Sal da Terra me encanta e comove, trazendo fé e esperança. Nele consigo ver, pelas lentes de Sebastião Salgado, a beleza no feio e na dor, e, pelos passos deste e de sua esposa, toda a esperança e reconstrução da vida (novamente sem spoiler… assistam o filme!).

Estamos passando por um momento de reclusão, de angústias grandes e concretas e de angústias “pequeno burguesas”… ambas intensas, reais e verdadeiras, que exigem um olhar cuidadoso. Momentos de pânico, dúvidas e confusão, mas também um momento de pausa, de possibilidade e elaboração e reelaboração, de contato íntimo (mesmo que fisicamente distante), de comunicação, solidariedade.

Momento que nos obriga e nos convida a olhar tanto para dentro de nós (e encararmos nossas belezas e nossas feiuras, como nosso egoísmo, por exemplo) como para fora, para o parceiro, para os filhos, pais, colegas, vizinhos, seres humanos, planeta terra.

Um mergulho diferente que vem sendo vivido para muitos com muita tensão e medo. Mas esse mergulho também pode promover transformações ricas e significativas. Um momento para revisitar situações e relações; reelaborar as que ainda se fazem presentes pela dor (como os pequenos e grandes traumas); apreciar e trazer mais para perto, para dentro de nós, aquelas que nos deram e que nos dão força.

Momento para se conectar com o real, tirar vendas, refletir, enfrentar de frente, com muito cuidado, amor, compreensão e acolhimento, o que está em nós (sentimentos e pensamentos) e ao nosso redor.

Momento de se conectar com a Grande Sabedoria, com os Arquétipos da Velha Sábia e do Velho Sábio (referência à psicologia junguiana), da Sabedoria que habita cada um de nós, mesmo que muitas vezes esquecida, abandonada, distante ou aparentemente ausente.

Nesse cenário atual, faz-se necessário cada um buscar o que lhe faz bem: voltar-se para si numa introspecção, falar e trocar sentimentos ou apenas bater um papo com os amigos on-line, desenhar, fazer exercícios físicos em casa, escrever para si ou para o mundo todo ler, meditar, rezar, ajudar os outros on-line, cuidar mais de si etc. Pergunte-se: o que lhe faz bem e é possível de você realizar nesse momento?

Que cada um de nós, e a humanidade como um todo, supere da melhor forma possível essa pandemia. Que possamos, a partir dela (que está aqui, presente, querendo ou não!), transformamo-nos e tornarmo-nos pessoas mais autoconscientes.

Termino esse texto desejando muita sabedoria e resiliência a todos nós!

Trilogia do Pânico e Ansiedade Parte I: Sintomas e outras questões relacionadas ao pânico

trologia-panico-parte-1

Ansiedade, Pânico e o Mito do Deus Pã

A violência das crises de ansiedade e pânico têm vitimado cada vez mais pessoas de forma súbita, limitando setores importantes da vida relacional destas.

Impossível pensarmos o ataque de pânico apenas como uma síndrome psiquiátrica. O medo, a ansiedade e sua forma extrema, o pânico, são reações características das espécies animais superiores e inerentes à condição humana. O pânico é um sinal de alarme de que algo não vai bem ao nível psíquico. E a simples eliminação dos sintomas através da medicalização pode significar a perda de uma oportunidade para reformular uma vida, ou aspectos dela, que se encontra estagnada, exigindo reformulação.

Sintomas e outras questões relacionadas ao pânico

O mundo, as notícias de jornais e as diversas histórias trágicas que ouvimos recorrentemente parecem nos convidar, cada dia mais, a nos tornarmos mais preocupados, desiludidos e ansiosos.

A ansiedade nos pega! Como não nos identificarmos totalmente com ela? O que sou eu e o que é a minha ansiedade?

A OMS (Organização Mundial de Saúde), em maio de 2019, considerou o Brasil o país mais ansioso do mundo: somos 18,6 milhões de pessoas sofrendo de ansiedade.

Definição de Transtorno do Pânico segundo a DSM V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais):

É uma doença (ansiedade paroxística episódica) que se caracteriza pela ocorrência repentina, inesperada e de certa forma inexplicável de crises de ansiedade aguda marcadas por muito medo e desespero, associadas a sintomas físicos e emocionais aterrorizantes, que atingem sua intensidade máxima em até 10 minutos. Durante o ataque de pânico, em geral de curta duração, a pessoa experimenta a nítida sensação de que vai morrer, ou de que perdeu o controle sobre si mesma e vai enlouquecer.

A primeira crise pode ocorrer em qualquer idade, mas costuma manifestar-se na adolescência ou no início da idade adulta, sem motivo aparente. O episódio pode repetir-se, de forma aleatória, várias vezes no mesmo dia ou demorar semanas, meses ou até anos para surgir novamente. Pode também ocorrer durante o sono.

O transtorno do pânico consiste em ataques de pânico recorrentes que causam uma preocupação excessiva com ataques futuros e/ou modificações de comportamento para evitar situações que poderiam desencadear um ataque.

Uma crise isolada ou uma reação de medo intenso diante de ameaças reais não constituem eventos suficientes para o diagnóstico da doença. As crises precisam ser recorrentes e provocar modificações no comportamento que interferem negativamente no estilo de vida dos pacientes.

O ataque de pânico começa de repente e apresenta pelo menos quatro dos seguintes sintomas:

– Medo de morrer;

– Medo de perder o controle e enlouquecer;

– Despersonalização (impressão de desligamento do mundo exterior, como se a pessoa estivesse vivendo um sonho) e desrealização (distorção na visão de mundo e de si mesmo que impede diferenciar a realidade da fantasia);

– Dor e/ou desconforto no peito que podem ser confundidos com os sinais do infarto;

– Palpitações e taquicardia;

– Sensação de falta de ar e de sufocamento;

– Sudorese;

– Náusea;

– Desconforto abdominal;

– Tontura ou vertigem;

– Ondas de calor e calafrios;

– Adormecimento e formigamentos;

– Tremores, abalos e estremecimentos.

Com frequência, portadores do transtorno do pânico apresentam quadros de depressão. Em alguns casos, alguns buscam no alcoolismo uma saída para aliviar as crises de ansiedade.

Pânico: um medo que protege ou que limita o viver?

A ansiedade é algo que agita nossa mente, é uma reação frente ao medo, um mecanismo de defesa contra uma situação que nos amedronta.

Mas devemos enfrentar o medo, enfrentar os sintomas que ele gera (ansiedade, pânico) e fazer o novo? Ou devemos ouvir nossos medos, considerar os sintomas de ansiedade como “amigos” que nos alertam contra um perigo real, físico ou psíquico? Exemplificando, um perigo físico real seria, por exemplo, o caso de uma pessoa andar sozinha a noite, num lugar conhecido por ser violento (assaltos etc). Um perigo psíquico real seria, por exemplo, o caso de um jovem imaturo, com pouca independência emocional e que esteja vivendo o luto de uma pessoa significativa para ele, aventurar-se a sair da casa dos pais e ir morar num outro país. Lembrando que a distinção entre físico e psíquico, real e imaginário, é muitas vezes mais pedagógica, dado que a linha entre eles é tênue e que as partes são na verdade constituintes de um só todo.

Mas voltando a nossas indagações: quando o medo e os sintomas ansiosos estão nos protegendo? E quando estão nos boicotando e nos impedindo de viver plenamente?

O papel da psicoterapia é olhar e esclarecer, junto com o paciente, que medo é esse, medo do que? O que pode acontecer se eu enfrentar esse medo? Tenho medo dos meus desejos e vontades? Que desejos e vontades são esses?

Temos medo das “coisas ruins”, mas também temos medo das “coisas boas”. Temos medo de nos entregarmos as coisas boas, de viver o bom e de repente elas sumirem. Então, muitas vezes, quando tudo está bom, nos boicotamos, arrumamos problemas onde não existe (no trabalho, no amor etc). Destruímos o bom, ou o que pode vir a ser bom, com medo de perdê-lo, porque nos parece melhor acabar com algo “pelas nossas próprias mãos” do que ficar a mercê do outro ou do destino. Geralmente isso acontece na vida de pessoas inseguras e controladoras, elas tiram o bom de suas vidas com medo da vida tirar isso delas: elas preferem controlar do que viver. Claro que não é uma escolha consciente, e claro que a intensão é evitar a dor. Diante de tantas questões, uma coisa é certa: o desafio e a crise de pânico nos tira da nossa zona de conforto.

Continue a Leitura >> Parte 2

Trilogia do Pânico e Ansiedade Parte II: O mito do Deus Pã, um convite para pensar de forma profunda o transtorno do pânico

trologia-panico-parte-2

As lendas, os contos de fada e os mitos ajudam a agente a entender e a elaborar dificuldades comuns a todo ser humano por expressarem, em forma de história, emoções, dúvidas, experiências e formas diversas de enfrentar e lidar com as intempéries inerentes à vida.

Os mitos compartilham conosco os padrões humanos; seus desafios, medos e resoluções possíveis. Para a psicologia analítica, os Deuses são arquétipos do Inconsciente Coletivo, atuantes na psique humana, mesmo que de forma inconsciente, agindo muitas vezes abaixo da superfície. O que os antigos chamavam de Deuses, hoje nós chamamos de acaso, impulsos, instintos, sintomas, energias.

É o Deus Pã da mitologia grega que dá origem a palavra Pânico. Então, para nos auxiliar com esse tema – pânico – vamos pedir ajuda ao Mito de Pã. E, vale ressaltar aqui, que no reino do simbólico, dos mitos, não temos a precisão e a regularidade que estamos acostumados a encontrar nas ciências positivas, sujeitas às categorias de tempo, espaço e causalidade. É preciso suspender a forma de pensar mecanicista para penetrar na vivencia do emocional e do intuitivo.

Pã, em grego, significa “tudo”. O Deus Pã representa a Natureza; o Grande Todo, ao qual tudo se subordina, e a multiplicidade de formas e atributos. Ele apresenta um caráter mediador entre deuses e mortais e relaciona-se com as emoções e com o inconsciente.

Ele é um monstro, metade animal, metade humano, representando, assim, nossa dupla natureza, a instintiva animal e a espiritual humana. Sua figura assusta e provoca horror, que pode ser vista como o medo que nos causa o irracional e o inconsciente. Então podemos, a partir da simbologia de Pã, nos perguntar: eu tenho pânico do quê? O que dentro de mim me causa tanto terror? Que parte minha irracional e inconsciente me dá tanto medo?

Ele tem chifres, orelhas e pernas de bode e está associado a outro Deus, Dionísio, deus do êxtase, do prazer, dos delírios orgásticos, da dança e da loucura. Pã, desde os tempos mais remotos, está associado a sexualidade desenfreada e ao estupro. Simbolicamente podemos pensar num conteúdo interno nosso, irracional e inconsciente, que de repente ameaça aflorar, tornar-se consciente, ultrapassar os limites do nosso “política, moral e socialmente correto”… isso nos assusta imensamente… e disso nasce o pânico, o medo dos nossos próprios desejos e anseios. Não estamos falando aqui de desejos sexuais concretos (apesar de podermos estar, sim, em alguns casos, falando deles), mas da sexualidade simbólica, que pode representar inúmeros tipos de desejos: desejos de rupturas, de poder, de destrutividade, de aceitação de características nossas que nossos familiares condenam (como o caso de querer trabalhar com algo mal visto por eles; querer ser um educador físico numa família de sociólogos acadêmicos preconceituosos, por exemplo) etc.

Esses desejos internos inconscientes podem ser tão contrários a nossa consciência que, ao ousarem emergir, tomamo-los como um estupro ao nosso eu consciente. Por isso o pânico.

Nessas situações, nossa consciência, nosso eu consciente, identifica-se com as ninfas (espíritos naturais femininos, leves e delicadas) da mitologia grega. Nos mitos há diversos relatos do deus Pã perseguir e estuprar as ninfas. A ninfa Eco, por exemplo, diante da tentativa de Pã em violenta-la, é tomada de pânico e passa a repetir tudo o que ouvia, ficando sem identidade própria. As ninfas são símbolos dos aspectos da nossa natureza psíquica feminina (presente em mulheres e homens) que, perante a violência dos impulsos (personificados por Pã) regridem ou tornam-se desvitalizados.

Pã é o deus dos pastores, dos rebanhos e da vida animal; habitava os lugares ermos e desolados e, simbolicamente, associa-se também ao abandono, solidão, separação e isolamento.

O perfil clássico do indivíduo que apresenta transtorno do pânico

No caos do dia a dia moderno deparamo-nos com diversos desafios. Cada um de nós reage às dificuldades encontradas pelos caminhos da vida de uma forma: uns psicossomatizam, adoecem (gastrite, enxaqueca etc.), outros têm ataques de raiva, uns deprimem… alguns por longos períodos, outros em momentos pontuais da vida. E há aqueles que apresentam crises de ansiedade e pânico.

Segundo Glauco Ulson, analista junguiano, é comum encontrarmos na história de vida desses últimos um sentimento de distanciamento entre seus familiares. A família de origem destes costuma ser fragmentada e/ou sofrer constante ameaça de desmembramento, sendo que o indivíduo, quando criança, vivencia essa realidade familiar com ansiedade, angústia e depressão. A comunicação entre os pais e esses indivíduos geralmente se apresentou de forma insatisfatória, gerando grande insegurança e, a partir disso, um tipo de personalidade insegura e imatura em que o medo está quase sempre presente. Muitas vezes esses pais, ou cuidadores, também eram inseguros, fóbicos e ansiosos, transmitindo aos filhos a ideia de um mundo cheio de perigos e ameaças. Há o medo do abandono e, junto a este, atitudes superprotetoras por parte dos pais ou de um deles.

Ainda segundo Ulson, pessoas com transtorno de ansiedade e do pânico manifestam grande insegurança perante situações desconhecidas desde pequenos. São pessoas que procuram se defender de tudo, mantendo tudo sobre exagerado controle, evitando expor-se ao novo e ao imprevisto. Têm uma personalidade rígida e dependente, buscando proteção em pessoas mais velhas e seguras. Tentam evitar a todo custo a separação de tais pessoas a fim de se protegerem de situações de abandono ou solidão.

São indivíduos que geralmente apresentam pais fracos, distantes ou ausentes; violentos ou temperamentais; o que teria dificultado a integração, no individuo, dos aspectos relacionados a segurança, firmeza, proteção e poder (aspectos do Arquétipo Paterno Positivo, presente em homens e mulheres). A não integração desses aspectos faz com que essas pessoas se sintam impotentes, medrosas e incapazes de lidar com conflitos porque lhes faltam coragem, força e firmeza.

Essas pessoas necessitam do apoio e da energia feminina do Arquétipo da Grande Mãe (presente em homens e mulheres), mas, ao mesmo tempo, têm ódio e temor por essa situação. Isso, pois o indivíduo deseja ser nutrido e protegido, mas teme a opressão, a castração e a estagnação (todos esses aspectos presentes no Arquétipo da Mãe).

Às vezes pessoas com essas características desenvolvem uma “persona”, uma máscara que esconde seus reais traços de fraqueza e vulnerabilidade, mostrando-se aos outros (e muitas vezes para si mesmas!) como extremamente fortes, seguras, determinadas, com grande capacidade de ação. Mas, basta surgir uma situação um pouco mais difícil para que essa máscara caia e as fraquezas apareçam. É fundamental, ao nos depararmos com crises de pânico e ansiedade, olharmos de forma profunda para os diversos aspectos de nossa personalidade e de nossa história. A psicoterapia auxilia o indivíduo nesse percurso. Um percurso muitas vezes dolorido, mas, se percorrido com empenho e com o apoio adequado, é extremamente transformador, recompensador e tranquilizador.

Continue a Leitura >> Parte III

Trilogia do Pânico e Ansiedade Parte III: pânico através da integração dos instintos à consciência

trologia-panico-parte-3

Os gregos acreditavam que tudo apresentava lados positivos e negativos. Assim também era o Deus Pã. Conscientes dessa dualidade, eles viam nele a ameaça da dissociação e fragmentação, mas também seu aspecto unificador e propiciador da vivencia totalizadora.

A vida instintiva das pessoas com transtorno de ansiedade e do pânico pode ser vista como fonte de prazer, mas repleta de ameaças e perigos. Por esse motivo, elas negam e reprimem seus desejos. Muitas vezes esses impulsos instintivos ficam sufocados, escondidos por de baixo do tapete, por muito tempo. Noutras situações, esses impulsos emergem de forma repentina e explosiva, são situações em que o indivíduo não consegue mais controlá-los e eles “tomam conta” da pessoa momentaneamente.

Com medo dos nossos instintos, muitas vezes desenvolvemos capacidades intelectuais, racionalizamos tudo em nossas vidas, até nossos afetos e emoções. Mas, feliz ou infelizmente (para alguns), é impossível erradicar completamente nossos instintos.

Quando reprimimos exageradamente nossos instintos uma grande instabilidade psicológica é constelada, pois perdemos o contato com nós mesmo, com nossa essência. Começamos a viver uma vida que não é nossa, que não é autentica, que é artificial, superficial e mecânica. É nesse estado de desconexão com nós mesmos que muitas vezes ocorre uma crise de pânico: é o Deus Pã tentando reestabelecer o equilíbrio perdido; é o Deus Pã “gritando”, buscando trazer para consciência e para nossa vida aspectos importantes nossos que estamos sufocando e negando por medo de encará-los (leia na parte II a respeito do mito do Deus Pã).

Como já foi dito antes, a crise de pânico pode ser a oportunidade para reformularmos uma vida, ou aspectos dela, que se encontra estagnada. A crise de pânico pode ser um pedido de socorro, pode ser nossa “alma” exigindo uma reformulação.

Da mesma forma que nossa cultura transformou Pã em demônio (desde o inicio do cristianismo Pã esteve identificado com o demônio, perdendo todo seu lado positivo), nós, individualmente, transformamos alguns de nossos instintos em demônios. E quando estes tentam emergir, nós o enxergamos como fobias, pesadelos e crises de pânico.

Temos medo, receio de não darmos conta de lidar com nossos instintos. Mas é fundamental olhá-los de frente e integrá-los, de alguma forma, no nosso dia a dia, se não completamente, pelo menos em parte.

Como a psicoterapia analítica pode ajudar os indivíduos com Crise de Ansiedade e Transtorno do Pânico

As crises de pânico costumam coincidir com fases de transição para uma nova etapa da vida, a qual exige de nós reações diferentes daquelas que, até então, vinham sendo utilizadas.

Durante as crises de pânico o indivíduo se vê envolvido por um verdadeiro caos de emoções, sendo o medo da morte, da psicose ou do suicídio muito presente.

Nas crises de ansiedade e pânico, nossas fantasias e medos (mesmo para aqueles que sabem de sua origem interna) são sentidos como reais. Nossos órgãos sensoriais reagem a elas como se fossem reais, emocionalmente estamos diante de um tigre faminto e feroz, mesmo que esse “tigre” seja, para um professor recém-formado, dar sua primeira aula ou, para um garoto de 18 anos, assumir para si mesmo sua homoafetividade.

A psicoterapia profunda auxilia o paciente a lidar com essas emoções muito violentas que afloram durante ou logo antes das crises de ansiedade e pânico. Busca-se, junto com o paciente, mantê-las em “fogo brando” para, lentamente e de forma segura, elaborá-las. O ego, centro da consciência do indivíduo, deve ter tempo e apoio para elaborar e integrar os instintos a muito tempo reprimidos, por medo, pelo indivíduo.

O psicoterapeuta deve dar continência e o amparo necessário para a livre expressão das emoções do paciente, aliviando a pressão dos temidos conteúdos irracionais e inconscientes.

É fundamental confrontar-se com tais conteúdos, compreender seus significados e integrá-los na consciência. É importante observarmos nossos medos, nossa ansiedade: que parte de mim está com medo? Medo de que parte minha? Olhar e compreender esses conteúdos facilita a resolução dos conflitos (consciente versus inconsciente), reduzindo o medo, a angústia, a necessidade de controle e o pânico.