Parte I: O Mundo Contemporâneo e a Evasão Universitária

O Mundo Contemporâneo e a Evasão Universitária

A CRISE DO ALUNO UNIVERSITÁRIO COM SEU CURSO DE GRADUAÇÃO

(Texto desenvolvido tendo como base algumas das reflexões e pesquisas do grupo de orientação profissional do Labor – USP).

Os processos de trabalho e de produção sofreram grandes mudanças a partir da terceira Revolução Industrial ou Revolução Tecnológica (meados do século XX) e da crise econômica dos anos 1980 e 1990: as estruturas organizacionais e os postos de trabalho ficam mais enxutos, há mais agilidade nos processos, as relações de trabalho tornam-se mais eficazes para atender a demanda de um mundo mais rápido; valoriza-se cada vez mais o desempenho eficiente, a superação, a competitividade e o sucesso.

O tempo acelerado e o mundo repleto de contradições, marcas do mundo atual, alteram o comportamento, o vínculo e as concepções de mundo das pessoas: o modo de experienciarmos dor e sofrimento, prazer e satisfação, foi alterado, e ainda não sabemos como lidar com essa nova forma de ser e vivenciar a vida. Tudo é muito novo, tudo muda muito rápido, tudo pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ganhamos algumas coisas preciosas, perdemos outras. As polaridades pipocam, como é o caso da solidão, hiperconexão num mundo marcado pela internet, que aproxima e afasta ao mesmo tempo.

Estudos psicológicos apontam que a alta velocidade com que os fatos acontecem dificultam para o sujeito a reparação de danos e, também, a elaboração de sentimentos decorrentes dessas vivencias psíquicas (Kehl). E as contradições, junto com as múltiplas possibilidades, gera incertezas, ansiedade e confusão mental, dificultando, entre outras coisas, às crianças e jovens desenvolverem sua identidade pessoal e profissional, e gerando grandes problemas de identidade na vida adulta.

A maioria dos alunos universitários são jovens ou jovens adultos, e o jovem contemporâneo é, em sua grande maioria e por motivos de ordem sócio-econômico-culturais, impulsivos e com pouca mediação do pensamento (metacognição). Estratégias de pura tentativa-e-erro, sem tempo para reflexão, própria de uma atitude infantil (fase do desenvolvimento humano em que o córtex ainda está se formando), são cada vez mais comuns na nossa sociedade, entre jovens e adultos.

A vida mais restrita espacialmente, em quartos, casas, computadores e celulares, promove, segundo Joel Birmam (psiquiatra e psicoterapeuta) e em meio a críticas dos jovens, uma geração de “engaiolados”. Esse “engaiolamento” estaria contribuindo para postergar o amadurecimento e impedindo que os jovens aprendam a dar conta de seus próprios desafios.

Assim sendo, o mundo contemporâneo “criou” e agora conta com jovens que tomam atitudes sem parar para pensar, têm uma tendência a não sustentar uma situação difícil, não conseguindo esperar e dar tempo para se adaptarem e elaborarem situações conflituosas e têm extrema dificuldade em tolerar frustrações.

Essas palavras e concepções podem ser deveras ofensivas aos jovens, mas muitos estudos apontam para essa realidade que envolvem não só os jovens, mas também adultos e até idosos. Mas é na geração dos jovens que podemos constatar de forma mais clara estas características. Lembrando também, e sem dúvida alguma, que o mundo contemporâneo e as novas gerações trazem também consigo grande potencial de mudança, mudanças significativas, positivas, social, tecnológica, emocional e espiritualmente.

A questão é que, cada vez mais, deparo-me, no consultório ou nos meios sociais em que circulo, com jovens e familiares em grande sofrimento frente a “romaria de tentativa-e-erro” do aluno com relação ao seu curso universitário – entrando, frustrando-se, angustiando-se, saindo, entrando, frustrando-se, angustiando-se, saindo… numa multievasão e num recomeço de cursos sem fim!

O mundo e o perfil do jovem contemporâneo, descrito nos primeiros parágrafos desse artigo, contribui para o número elevado de evasão nos cursos universitários. É importante olhar a fundo essa questão. É importante que todos nós, alunos, professores, pais, cientistas e pesquisadores sociais e instituições universitárias estejamos atentos às questões relacionadas a essa realidade (evasão). A pouca reflexão, a pouca exploração da profissão antes da escolha, as dificuldades de adaptação, o postergar da formatura e do ingresso no mercado são situações com que o orientador vocacional/profissional se depara frequentemente quando trabalha com reescolha de curso de graduação (situação em que o jovem, insatisfeito com seu curso, busca auxilio para escolher um novo).

Destaca-se que a forma como a escolha profissional foi feita exerce grande influência, posteriormente, sobre a dúvida de prosseguir ou não no curso, mesmo quando é acompanhada de outros fatores (leia a parte II – descontentamento com o curso e os motivos de evasão). Por isso uma orientação vocacional/profissional no momento de escolha de um curso universitário é tão importante e valiosa. Aconselha-se que esse processo tenha início no começo do último ano letivo do ensino médio, período adequado e suficiente para que o jovem possa investigar, analisar e elaborar sua escolha (ou confirmá-la caso o jovem já traga um curso escolhido a priori). Nos casos de uma orientação em momento de reescolha, entender como foi realizada a escolha, ou escolhas, anteriores é essencial.

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Parte II – Descontentamento Com o Curso e os Motivos de Evasão

Descontentamento Com o Curso e os Motivos de Evasão Universitária

A CRISE DO ALUNO UNIVERSITÁRIO COM SEU CURSO DE GRADUAÇÃO

(Texto desenvolvido tendo como base algumas das reflexões e pesquisas do grupo de orientação profissional do Labor – USP).

O mundo contemporâneo, caracterizado por suas grandes contradições e pelo tempo acelerado, vem dificultando aos indivíduos a reparação de danos e a elaboração de sentimentos decorrentes de suas vivencias psíquicas nesse mundo cada vez mais contraditório e acelerado.

É nesse contexto que se constata, hoje em dia, uma elevada evasão de alunos, em sua maioria jovens ou jovens adultos, nos cursos universitários; vários deles com mais de uma evasão no currículo (multievasão).

E por que nossos jovens entram nos cursos universitários e, cada vez mais, desistem destes? Quais os motivos da evasão? Estudos apontam diversos fatores, como fatores sociais, pedagógicos, institucionais, psicológicos e fatores ligados a escolha profissional; podendo haver, frequentemente, a  presença de mais de um fator como causa de desistência.

Aqui apresento e comento alguns dos motivos relacionados a evasão universitária:

O processo de escolha inicial que, no sistema educacional brasileiro, ocorre num momento muito precoce da vida do jovem (17-18 anos), geralmente de forma pouco refletida e pouco apoiada e trabalhada pelas escolas de ensino fundamental e médio. Em vários outros países, como no Canada e nos EUA, a escolha profissional ocorre num momento mais tardio e as escolas, desde cedo, buscam preparar melhor os alunos para essa escolha. Ao não ter maturidade e nem orientação adequada, o jovem muitas vezes não tem condições de fazer uma escolha assertiva. Nesses casos, realizar um processo de orientação vocacional/profissional com um profissional especializado pode ser fundamental para ajudar o jovem (e o adulto) a escolher o curso universitário que melhor atenda seus desejos e necessidades, podendo evitar uma posterior evasão.

A decepção com o curso em si, que envolvem desde a estrutura da universidade, os professores, os colegas de turma, a forma de ensino etc. Nesse caso, muitas vezes, o motivo não é o descontentamento com a graduação escolhida, mas com a instituição de ensino, a universidade. Nesses casos, mudar de universidade, e não de curso, pode ser uma solução. Entender o real motivo do descontentamento com o curso é essencial para o aluno decidir qual caminho tomar.

A dificuldade do aluno em acompanhar o curso: ao se deparar com sua dificuldade muitas vezes ele confunde o fracasso acadêmico com o gostar ou não do curso/da profissão. Geralmente os indivíduos nessa situação não percebem claramente e conscientemente essa confusão. Um profissional capacitado pode ajudá-lo a discriminar o que é dificuldade em acompanhar as exigências do curso e o que é não gostar dessa carreira. Caso seja a primeira opção, o ideal seria, por exemplo, buscar um auxílio em aulas particulares, alterar a forma de estudo ou buscar uma universidade na qual o ensino esteja mais alinhado com a forma do aluno aprender.

A profissionalização. Aqui as queixas surgem quando o aluno começa a estagiar ou a ter contato com as matérias práticas do seu curso. Muitos “vão levando” as matérias teóricas e apenas entram em crise quando se deparam com a prática.

Motivos pessoais e emocionais podem interferir. São casos em que a psicoterapia ajuda bastante. Acontecimentos traumáticos ou muito difíceis de lidar, como mortes, doenças, depressão e até desilusões amorosas podem levar o aluno a confundir esse seu mal-estar emocional com o não estar gostando do curso. E as dificuldades pessoais e emocionais podem ser tamanha que impossibilite emocionalmente o indivíduo de estudar e, mesmo ele sabendo gostar do curso, sem um apoio psicológico, pode se sentir incapaz de finalizá-lo, desistindo do curso ou boicotando-se sem perceber.

Adaptação à vida universitária, como exemplo, a exigência de uma maior autonomia, do que aquela que lhe era exigida no ensino médio. É comum jovens que tiveram que mudar sua rotina, passando a estudar o dia todo (cursos integrais), ou tendo que mudar de cidade (morar sozinho, longe de amigos e familiares), terem dificuldade com essas mudanças e confundirem-nas com um descontentamento com o curso. Nesses casos, o problema não é o curso em si, mas os aspectos ligados indiretamente a eles. Discriminar o descontentamento e esperar com paciência esse processo de adaptação, que é natural e que dura por volta de um semestre a um ano, pode evitar uma evasão desnecessária.

O final dos anos de estudante: com a entrada “definitiva” para a vida adulta, independente e autossustentável; com o medo de não conseguir um emprego ou não conseguir ser um profissional de sucesso. Esses fatores levam muitos jovens a questionarem o curso e a profissão. Aqui a evasão aparece como um mecanismo de defesa em que o jovem “foge” da formatura, buscando permanecer um eterno estudante.

Questões financeiras: em que os jovens ou seus responsáveis não têm mais condições de continuar pagando o curso ou esse pagamento é tão dificultoso que leva o estudante (ou responsável) a se questionar se vale a pena tanto esforço e qual as reais vantagens que teria em se formar.

Identificar, junto ao aluno, os motivos que o levam a pensar em desistir de um curso é fundamental, evitando uma evasão, muitas vezes desnecessária e, caso proceda, facilitando uma reescolha (a escolha de um novo curso) consciente e bem-sucedida.

Apenas como observação, podemos dizer o mesmo com relação ao profissional que pretende “abandonar” sua profissão ou cargo, ou ao aluno que pretende abandonar um estágio.

A pergunta inicial é: por que quero sair desse curso/estagio/trabalho? Qual o real motivo (muitas vezes inconsciente)? É importante nos perguntarmos e não nos satisfazermos com nossa primeira resposta. É importante refletirmos a respeito para, então, tomarmos a decisão de sair ou não de um curso, de uma universidade. São muitos os motivos e as variáveis que interferem no nosso suposto estar ou não gostando de um curso: é preciso conhecê-las bem! Caso fique claro que o melhor caminho é sair do curso, essas reflexões são ferramentas importantes e facilitadores para orientar o aluno a encontrar um novo curso, uma nova profissão, que satisfaça e que melhor atenda as suas demandas, desejos e possibilidades. A orientação vocacional/profissional e a psicoterapia auxiliam o indivíduo nesse momento de crise e de dúvida, nesse processo de escolha e reescolha profissional.

>> Continue a Leitura: Parte III – A Reescolha, Orientação Vocacional/Profissional no Momento de Crise

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Parte III – Reescolha, Orientação Vocacional/Profissional no Momento de Crise

Orientação Vocacional no Momento de Crise

A CRISE DO ALUNO UNIVERSITÁRIO COM SEU CURSO DE GRADUAÇÃO

(Texto desenvolvido tendo como base algumas das reflexões e pesquisas do grupo de orientação profissional do Labor – USP).

“Desisti do meu curso universitário… e agora, o que é que eu faço?”

Ao encontrar-se descontente com seu curso universitário e desejoso de encontrar um novo curso que goste, o jovem deve partir de duas questões básicas: “como escolhi meu primeiro (ou primeiros) curso?” e “o que deu ou está dando errado com ele?” Ao se questionar, o indivíduo passa a refletir sobre os motivos que o fizeram escolher determinado curso, os tipos de escolhas que fez, o motivo da crise atual. Pontos que geralmente não estão nada claros no momento de crise. Muitas vezes o jovem apenas sabe que não está gostando, que quer sair, mesmo sem saber ao certo para onde ir, sem recursos emocionais e informações suficientes para fazer uma nova escolha.

É importante que o aluno busque identificar os conflitos, as ansiedades, as defesas, as potencialidades; bem como os valores, crenças e ideologias pessoais, familiares, do seu meio social e universitário. Tudo isso interfere no gostar ou não de um curso universitário.

Um processo de orientação vocacional/profissional nesse momento de reescolha pode ajudar muito. Ser questionado e verbalizar as respostas, “ouvir-se em voz alta” é importante! Muitas vezes ficamos presos em pensamentos circulares e “eternos” por não verbalizarmos nossos pensamentos e por não termos uma pessoa que nos ouça atenta e de forma acolhedora, nos instigando com novas questões, informações e possibilidades.

O orientador vocacional/profissional deve instigar o indivíduo ao autoconhecimento solicitando uma narrativa de sua história de vida pessoal, acadêmica e familiar, das expectativas internas e externas com relação ao curso e à profissão, dos seus medos e anseios. É através dessa investigação que o aluno passa a entender o sentido da sua crise atual, o sentido de suas escolhas anteriores e o momento de vida em que se encontra para, assim, fazer uma reescolha com mais segurança. E essa reescolha pode ser um novo curso, ou o mesmo curso, mas agora “em pazes” com ele (caso se descubra que a crise não tem origem no curso em si).

Segundo Lehman, psicóloga, orientadora e pesquisadora profissional da USP, é fundamental, tendo em vista nosso panorama social contemporâneo, que o orientador vocacional/profissional, acolha de forma empática o indivíduo. Essa empatia e a capacidade de sustentar emocionalmente o jovem em sua confusão e sofrimento são basilares no primeiro momento do processo da orientação, já que geralmente ele se encontra em crise, muito ansioso, angustiado e confuso. Sentir-se compreendido e acompanhado nesse momento de crise promove as condições necessárias para uma reflexão profunda e para uma escolha mais consciente e assertiva.

Inicialmente define-se com ele qual a situação em que ele se encontra e onde ele pretende chegar. Depois busca-se compreender com profundidade sua problemática, elabora-se um plano de ação e por fim faz-se uma escolha de curso, sempre com a participação ativa do indivíduo.

Esse processo de orientação apresentado aqui parte de uma abordagem clínica, onde o jovem é ouvido de forma pessoal, singular e participa ativamente do seu processo de escolha. O aluno deve se apropriar dos motivos de sua queixa, compreender as decisões que tomou e que irá tomar, responsabilizando-se, junto com o orientador, com seu processo decisório e com os caminhos que este irá levá-lo.

Para saber mais sobre o assunto, leia os outros artigos em nosso Blog ou na página de orientação vocacional/profissional.

Pressão do Vestibular e Ansiedade: Saiba qual a Relação entre Elas

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Dentre as maiores preocupações das crianças e dos adolescentes que possuem uma vida estável e estruturada, está a aprovação no ano letivo. “Sua única obrigação é estudar”, é o que a maioria dos pais dizem para eles. Nos últimos anos de colégio, porém, próximo ao período do vestibular, essa preocupação pode atingir um nível ainda mais alto diante da pressão sobre o futuro.

Após concluir o ensino médio ou mesmo no início dessa etapa, começa a tensão com essa prova que, muitos acreditam, tem o poder de definir o que será o resto da sua vida. – Uma ressalva importante: apesar de muitos jovens e pais acharem que essa prova tem esse poder, eu discordo, por motivos que explanarei a seguir – Somando-se a isso a indecisão sobre qual curso fazer e o medo de uma reprovação (ou, muitas vezes, o medo inconsciente da aprovação), cria-se o cenário de um enorme conflito interno.

Esse ambiente pode, muitas vezes, funcionar como um gatilho para crises de ansiedade, pânico, estresse ou para agravar quadros pré-existentes.

Para entender melhor a relação entre vestibular e ansiedade, continue a leitura deste artigo e entenda em que momento eles se cruzam.

O que você vai ser?

Os jovens vestibulandos se sentem cobrados e pressionados para decidir qual curso fazer, se estão estudando o suficiente, qual vestibulares irão prestar, quando será a aprovação, quais as suas expectativas para o futuro etc. E cada familiar, amigo, escola, conhecido, site ou transeunte geralmente opina, muitas vezes sem ser perguntado e muitas vezes com grande convicção, deixando o jovem ainda mais confuso: “mas esse curso não vai te dar dinheiro!”, “nesse outro você não vai se realizar”, “mas essa universidade não é boa”, “precisa fazer um cursinho se quiser passar”, “precisa dormir mais”., “precisa dormir menos”, “você tem certeza do que quer?” etc.

Nesse sentido, observamos que pessoas saindo da adolescência e entrando na juventude têm sobre si uma enorme pressão e cobrança sobre a sua vida futura. Vida que elas ainda nem planejaram ou sequer imaginaram. E, é importante dizer, que diversas pesquisas, nacionais e internacionais, apontam para a inadequação dessa decisão numa fase tão turbulenta e precoce da vida. Mas nosso sistema educacional brasileiro funciona assim, cobrando dos adolescentes essa primeira definição profissional, e é, portanto, com esta realidade que, individualmente, cada jovem tem que lidar.

Alguns pais dizem: “não faço pressão alguma, deixo meu filho livre para escolher o que quiser… falo que ele tem apenas que escolher aquilo que o fará feliz e que trará sustento!” Como dizer que esta frase, esta “suposta liberdade”, esse “apenas” não estão repletos de pressão? Quer algo mais difícil do que ter que fazer uma escolha profissional tão assertiva, que satisfaça a si mesmo, financeira e emocionalmente, num momento em que se está apenas ensaiando para entrar na vida adulta?

Além da cobrança dos familiares, professores e amigos da família, o vestibulando encara as suas próprias inseguranças e incertezas. Por isso, uma simples pergunta como “O que você vai ser?”, pode desencadear momentos instáveis, de ansiedade ou de crises de ansiedade.

Ansiedade e Crise de Ansiedade 

Para contextualizar, faremos uma breve distinção sobre esses termos.

O primeiro é algo que toda pessoa sente. Ansiedade é um nervosismo, um medo, uma apreensão, uma preocupação frente a uma situação. É uma expectativa sobre alguma coisa, por exemplo: a ansiedade que geralmente sentimos para fazer uma viagem, ir a uma festa ou falar em público.

O segundo ultrapassa uma simples expectativa e torna-se um problema por ser muito constante, persistir por um longo período e/ou ser muito intenso, interferindo de forma prejudicial na vida do individuo ou daqueles com quem convive, comprometendo sua saúde física, social e/ou emocional.

As crises de ansiedade podem vir acompanhadas de sintomas físicos, como aceleração cardíaca, respiração irregular ou falta de ar, tremores no corpo, sudorese, enjoo, tontura, sensação de cansaço etc.

Há ainda a síndrome do pânico e a ansiedade generalizada, entre outros, descritos estes pelo DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) como transtornos de ansiedade. Estes casos são mais graves e prejudiciais, sendo importante diagnosticar e fazer um acompanhamento adequado.

A crise de ansiedade é algo que não é controlada de maneira simples. Quem sofre com isso precisa de um acompanhamento profissional para que sintomas mais agressivos não se manifestem e perdurem por muito tempo.

Vestibular e ansiedade: o que tem a ver

O vestibular por si só não se relaciona com a ansiedade, mas todo período que antecede essa prova e o contexto em que ele está inserido, sim.

Ao se preparar para um momento tão importante, o vestibulando questiona os seus conhecimentos, a sua segurança e a sua capacidade. Nesse momento, a ansiedade crônica pode se manifestar. Ou seja, aqueles que já possuem alguma predisposição para sofrer de crise de ansiedade podem ter o vestibular como gatilho.

Já os outros que foram diagnosticados, caso não possuam um acompanhamento, podem ter o quadro agravado e os sintomas e crises podem aparecer com mais frequência.

Noutros casos, a ansiedade e as dúvidas podem ser “mais leves”, mas mesmo assim, diante de toda complexidade da adolescência, podem atrapalhar muito o processo decisório, o desempenho nos estudos escolares e no vestibular e a vida social e familiar do adolescente como um todo.

Por que diagnosticar e tratar a ansiedade?

Considerando o que objetivamos abordar neste artigo, o vestibular, se não houver um diagnóstico e um tratamento adequado, podem ocorrer as seguintes situações:

  • Desistência no dia da prova
  • Falta de motivação para estudar
  • Alteração do sono (Prejudicando as horas de estudo)
  • Crise de ansiedade na hora da prova
  • Dificuldade e confusão para escolher o curso e a instituição de ensino

Esses são os problemas mais diretos que podem se manifestar naqueles que estão passando por um momento decisivo da vida e sofrendo com um problema de saúde.

Se você está passando por momentos de tensão para o vestibular ou qualquer outra prova, considere cuidar dos seus pensamentos, emoções e saúde física. Do contrário, mesmo com muita dedicação, você não estará preparado para lidar com esse momento muito importante na sua vida.

Momentos de Transição, Crise, Morte: O que fazer diante das Surpresas que a Vida nos Traz?

momentos-de-transição-crise e morte

O Budismo Tibetano nos ensina a receber o que a vida nos traz; mas também nos ensina a deixar ir, mas sem abandonar. Ensina a não nos apegarmos e nem negarmos o que nos foi dado. A Psicologia Analítica de Jung compactua com esta forma de ver a vida.

Às vezes a vida nos traz obstáculos, e estes podem se tornar suportes para o desenvolvimento, podemos aprender com eles. Não devemos desistir dos obstáculos, não devemos negá-los, e sim aceitar o desafio e aprender com eles, desenvolvendo e criando resiliência.

A psicoterapia tem um papel facilitador muito importante em momentos de crise. Momentos de crise são também momentos de transição, que abrem espaços e, através deles, possibilita ao individuo se conectar (ou reconectar) o seu propósito de vida.

A perda do emprego, a gravidez, o nascimento de um filho, a saída de casa, a morte de pessoas próximas, o casamento, a mudança de cidade, uma separação, são momentos de transição, momentos de grande abertura que muitas vezes são sentidos como “estados de sonhos ou pesadelos”, onde as coisas e a vida não parecem reais.

Em muitos casos esses momentos são relativamente planejados, ou esperados, noutros casos são completamente inesperados. Independente de como nos chegam, geralmente a nova situação quebra nossos conceitos e algumas (ou todas) expectativas. E, com essa quebra, abre-se um espaço para o APRENDIZADO, possibilitando a inovação.

Momentos de transição e de crise são grandes oportunidades de crescimento, um crescimento através das “mortes”, simbólicas (fim da vida universitária ou de um casamento, por exemplo) ou concretas (morte de um ente querido).

Mas passar por esses momentos é muitas vezes extremamente sofrido ao indivíduo, pois pode vir acompanhado de dores, duvidas, medos, inseguranças e muita ansiedade.

A psicoterapia junguiana não tem como objetivo fazer o individuo se livrar de algo, mas sim se conectar com esse algo, viver junto com ele, mesmo que esse algo seja um problema que cause dor. Não devemos lutar contra a realidade, pois ao negarmos a realidade, criamos uma falsa realidade e, ai sim, criamos um grande problema. Não é saudável colocar as coisas debaixo do tapete… a sujeira em algum momento aparece, a panela de pressão em algum momento explode. Precisamos encarar a sujeira e lidar com ela da melhor forma possível, mesmo que seja um processo dolorido e trabalhoso.

Devemos estar atentos ao que nos cerca, à nossa situação de vida presente, seja ela acompanhada de uma sensação boa ou ruim. O psicoterapeuta auxilia seu paciente a observar sua realidade com clareza; acolhendo, pontuando, espelhando, testemunhando e acompanhando-o nesse processo. Ao vermos com clareza a nós mesmos e ao nosso momento de vida podemos fazer melhores escolhas, ressignificar situações difíceis e seguir nossa vida de forma mais plena, significativa e saudável.

Como traduziu um paciente meu certa vez, no meio do seu processo psicoterapêutico, “a vida é como uma bolsa de valores, ‘up and down’, e é nesses momentos de alta e baixa que se faz mais dinheiro”. Podemos aprender algo valioso ao nosso desenvolvimento nos ‘up and down’ da vida!

Psicoterapia e Metacognição

psicoterapia e metacognição

A psicoterapia aliada ao trabalho corporal auxilia o indivíduo conhecer profundamente seu corpo, sua mente, suas emoções e sua “alma”. Ela promove, por exemplo, a metacognição, que é a capacidade de observar nossas emoções antes de sermos “agidos” por elas. Ao nos conhecermos mais com o auxílio da psicoterapia, podemos aumentar o espaço de tempo entre o que pensamos e o que fazemos (ação no mundo): promove-se um espaço cada vez maior desse tempo, possibilitando que o indivíduo tenha maior capacidade de escolher se realiza ou não seu pensamento, se age ou não conforme esse pensamento ou impulso.

Por exemplo, sinto uma vontade louca, um impulso, penso “quero muito comer um chocolate!”. Mas, antes de realizar esse pensamento (comer o chocolate) há um espaço de tempo, é nesse espaço que faço uma escolha (comer ou não comer) antes de agir. Uma pessoa que costuma comer compulsivamente e que não está contente com isto, pode se beneficiar muito ao desenvolver sua metacognição, já que é criado um espaço maior entre seu “pensamento-comer” e a “ação-comer”: o indivíduo passa a ocupar esse espaço com sua presença, com seu eu realmente consciente de si, facilitando a ele escolher ou não reagir a esse pensamento.

O mesmo pode ser dito com relação ao pensamento “vontade de bater” e a ação “bater” frente a um sentimento de raiva. O individuo com uma metacognição desenvolvida tem um tempo maior de escolha, se realiza ou não esse “pensamento-bater”, seja bater em outra pessoa ou em si mesmo (autoagressão). Ele tem uma capacidade aumentada de escolher se atua esse pensamento ou não.

Quando começamos, com o auxílio da psicoterapia, a nos conhecer mais – corpo, sensações, emoções, pensamentos etc. – ficamos mais sensíveis a estes e o indivíduo passa a experimentar tudo de forma mais intensa, interna (como seu medo ou sua felicidade) e externamente (como a raiva ou o amor que o outro dirige a nós). Tudo fica mais vivo, mais claro e consciente, o que às vezes pode até nos assustar num primeiro momento, principalmente quando nos deparamos com algo que não queremos ver ou sentir. Lembrando que este “algo”, consciente ou não, visto de frente ou não, sempre nos afeta.

Com o autoconhecimento, com o reconhecimento de nossas emoções, começamos a desenvolver uma maior capacidade de escolher como reagir a essas emoções e pensamentos. Assim nos tornamos mais responsáveis e capazes de cuidar de nós mesmos, possibilitando uma forma de viver mais próxima daquilo que realmente desejamos.

Doenças Crônicas, Saúde e Psicoterapia

coencas cronicas saude e psicoterapia

Hoje o mundo vive uma crise de doenças crônicas, não transmissíveis e ligadas aos nossos hábitos. Segundo Sat Bir S. Khalsa (professor Ph.D na Escola de Medicina de Harvard), em palestra ministrada no Hospital sírio Libanês, em setembro de 2019, pesquisas recentes apontam que estas doenças crônicas configuram a maior causa de morte (60%) e o maior custo para tratamento (90%) nos EUA, com números semelhantes no Brasil.

Um exemplo bem atual desse tipo de doença é o Burnout (estresse crônico), cujo número de casos vem aumentando de forma galopante nas grandes cidades, interferindo de forma brutal no trabalho, nas relações pessoais, amorosas e na qualidade de vida das pessoas, podendo em alguns casos, levar ao suicídio ou morte não intencional.

Ainda segundo Sat Bir S. Khalsa, a medicina moderna ocidental não é eficiente para lidar com mudança de hábito. Ela é boa e eficaz com medicamentos e cirurgias, sabe lidar com os sintomas, não com as causas das doenças. As práticas integrativas são extremamente importantes nesse contexto pois integram, à medicina moderna ocidental, tratamentos e formas de prevenções que promovem a mudança de hábitos – coisa que os medicamentos alopáticos não fazem, mas que é fundamental para cura e prevenção desse tipo de doença.

A psicoterapia é um dos tratamentos capazes de ajudar o individuo a modificar seus hábitos, sua forma de viver, de se olhar e se cuidar, podendo, desta forma, prevenir e reverter diversas doenças crônicas, sejam elas do campo emocional, cognitivo e/ou físico. O psicoterapeuta ajuda o paciente a perceber-se, em suas capacidades, potencialidades e dificuldades, e, ao tomar consciência de si, ele passa a ter maior possibilidade e potência para transformar sua vida, encontrando soluções e criando hábitos melhores e mais saudáveis para si.

Desejos para 2020 parte 1: medo e coragem

O MEDO, A CORAGEM, A ANGÚSTIA E A LIBERDADE PARA MUDAR

Coragem para mudar, angústia e liberdade de escolha, coragem de errar

A valentia é o antídoto contra nossa sombra mais conhecida: o medo. Temos o medo da morte, da aniquilação pessoal, concreta ou simbólica (medo de ser abandonado por uma pessoa querida e isso nos aniquilar, por exemplo). E temos também a angústia, que oprime, que é o medo do erro, da culpa e do remorso.

Podemos dizer que somos seres relativamente livres, sim, temos um certo grau de liberdade, teoricamente capazes de escolhermos nosso próprio caminho e, consequentemente, estamos sempre sob o risco de escolhermos aquele que nos leva mais rapidamente ao precipício. Somos, então, constantemente ameaçados pela destruição (aniquilação), pelo fracasso (medo do erro) e pela incerteza da nossa própria liberdade.

A covardia pode ser vista como o excesso de zelo pela própria segurança, onde o indivíduo valoriza mais o conforto momentâneo do que a justiça, a vida, o crescimento, o bem comum etc.

Coragem é a capacidade de lidar com o medo e com a angústia de forma digna. A coragem evidencia nossa capacidade de controlar um dos nossos instintos mais básicos, o medo (que está ligado, biologicamente falando, ao nosso cérebro mais primitivo, o cérebro reptiliano, aquele que dividimos com os répteis, responsável por nossas necessidades mais básicas, como nossa sobrevivência). Ela pode ser usada tanto para “o bem” (colocar-se no meio de um grupo que agride violentamente um homem no meio da rua, por exemplo), quanto para “o mal” (assaltar um banco).

Como diz Voltaire, a coragem não é exatamente uma virtude, mas uma característica partilhada por grandes homens, por inconsequentes e por bandidos. Por isso, é importante que a coragem venha acompanhada, avaliada e medida pela prudência, pelo respeito e pelo bom senso.

Há a coragem altruísta (onde o indivíduo enfrenta um desafio em benefício de um outro, da comunidade) e há a coragem pessoal (onde o indivíduo enfrenta um desafio em benefício próprio). E há a confiança excessiva, uma cegueira, que faz com que o indivíduo assuma riscos inúteis e muitas vezes destrutivos, sem um proposito realmente valioso.

Há ainda aqueles que se fazem de corajosos apenas para ganhar atenção e aplausos (dos outros ou de si mesmo), sem observar e avaliar direito o que se quer e as consequências de suas ações para si mesmo e para os outros. Mas isso não é coragem, é narcisismo, imaturidade e imprudência.

E é importante lembrar ainda que aquele que nada teme não é corajoso, para ser corajoso precisa ter medo, ir apesar do medo, ir mesmo com medo. Quem nada teme não é corajoso, mas sim um louco.

Bom senso e coragem juntos são uma virtude. Virtude essa importantíssima frente ao mundo, que é, cada dia mais, cheio de incertezas e possibilidades.

Mesmo tendo coragem de fazer o que é “certo”, como teremos certeza de que estamos certos? Quantas causas, pessoais e coletivas, foram servidas com valentia e que, no final das contas, não se mostraram positivas? É impossível ter certeza. Mas é preciso, sempre e sempre, continuar, escolher, lutar, observar, reavaliar e “pausar” para, novamente, continuar. Isso é viver. A coragem é um “ato de fé”. E muitas vezes não saberemos de antemão qual o bom combate.

Continuação >> Parte 2

Desejos para 2020 parte 2: errar faz parte

O MEDO, A CORAGEM, A ANGÚSTIA E A LIBERDADE PARA MUDAR

Coragem para mudar, angústia e liberdade de escolha, coragem de errar

“E então Jung pede à sua alma para curar as feridas que a dúvida lhe causa, dizendo possuir um espírito atormentado, ainda vítima do pensar. Pede auxílio para não ser sufocado pelo próprio conhecimento e protegido do julgamento” (Guerra, “O Livro Vermelho: o drama de amor de C. G. Jung”).

Errar é bom? Admitir e acolher nossos erros é bom? É melhor do que sempre acertar? Errar ajuda a crescer? Aprendemos mais com nossos erros do que com os acertos? Muitas dessas perguntas não têm respostas, ou têm múltiplas, não são respostas consensuais ou absolutas. Mas, uma coisa podemos dizer: errar faz parte.

A pressão pelo acerto imediato é uma das facetas do mundo moderno. Tempo, paciência, tempo de aprendizado, de elaboração e reelaboração é algo cada vez mais raro. Talvez por isso encontramos, cada dia mais, pessoas deprimidas e ansiosas no mundo atual.

A tecnologia nos leva a acreditar que temos mais controle sobre tudo. Temos a ilusão que com ela (câmeras, aplicativos) passamos a controlar mais e melhor. Mas isso é uma ilusão, continuamos a viver sem garantias e desejando controlar o incontrolável… que nunca se realizará.

Dado que errar faz parte, aceitar o fato que erramos e que vamos continuar errando pode aliviar nossa angústia, raiva e sofrimento frente aos nossos erros, e também frente aos erros dos outros.

Aceitar o erro não é se contentar com o ruim, fazer de qualquer jeito. Aceitar o erro é acolher o erro após o esforço de tentar fazer o melhor possível. Às vezes é importante esforçar-se ao máximo, lutar com todas as forças e potencialidades. Noutras o ideal é não levar tudo tão a sério, deixar fluir, largar as “armas” e esperar as respostas e os acontecimentos chegarem de forma “mais natural”, sem tantos “esforços guerreiros”. Como saber como lidar em cada caso? Uma nova pergunta sem respostas claras, obvias e imediatas.

A psicoterapia pode ajudar o indivíduo a encontrar as respostas, os caminhos e a lidar com seus erros. É através do desenvolvimento do autoconhecimento (o conhecer melhor a si mesmo – desejos, medos, atitudes e pensamentos arraigados, muitas vezes já sem serventia) e do olhar a realidade de forma mais clara e objetiva que a psicoterapia auxilia as pessoas a enfrentarem os momentos de medos e angústias que a vida lhes traz.

Muitas vezes nos deparamos com situações em que não sabemos que caminho seguir, buscar clareza ajuda muito. A psicoterapia nos estimula a ouvir nossa mente, consciente e inconsciente, nosso corpo e nossa intuição. Fazer perguntas a nós mesmos (como: “o que faz meus olhos brilharem?”, “quais as consequências dessa minha escolha se o pior acontecer?”, “o que vai acontecer se eu sair da minha zona de conforto e vencer o meu medo?”), observar os sinais do corpo (como: doenças físicas psicossomáticas, crônicas ou pontuais; alteração na respiração, sensação térmica, retraimento ou expansão corporal frente a uma ideia ou frase relacionada ao futuro), observar os sonhos, meditar e fazer trabalhos corporais que facilitem o contato com o inconsciente e com nossas intuições etc. trazem a clareza necessária para fazermos melhores escolhas. Lembrando aqui que nada é certo, que nada controlamos totalmente, mas que podemos tentar fazer o melhor possível para seguir os melhores caminhos. E se errarmos, a psicoterapia também pode nos ajudar a acolher nossos erros… acolher a nós mesmos para, depois, seguir adiante, de novo, e de novo.

Alguns defendem a ideia de agir rápido e pensar menos, partindo da premissa de que vamos errar bastante, mas que isso faz parte nesse mundo cheio de possibilidades e incertezas. Para estes errar muitas vezes corta o caminho e pode nos levar mais rapidamente ao “sucesso”. O segredo seria aprender a lidar com mais leveza com nossos erros, aceitando melhor nossos fracassos, aprendendo com eles e alterando nossa rota sem demora, um pouco ou radicalmente conforme o caso.

Admitir nossos erros, já que é algo natural ao ser humano, é algo importante. Aceitar nossos muitos “não sei”, assumir que não temos certezas e de que não estamos sempre certos de tudo também é algo importante. Geralmente lutamos para defender uma verdade que nem sabemos se é realmente o que acreditamos, estarmos certos, “vencer” uma discussão muitas vezes parece ser mais importante do que a busca pela verdade (por isso inúmeras vezes apenas falamos, defensivamente, ao invés de ouvirmos e refletirmos sobre o que o outro nos diz). Assumir que não sabemos algo ou que nos enganamos… uma humilhação, um sentimento de menos valia.

Quando admitimos nossas falhas e o nosso não saber, quando conseguimos deixar de lado nosso “ego superpoderoso”, abrimos espaço para a criatividade, para o novo, para o surpreendente, para a maravilha que pode ser o desconhecido. Aqui, nesse espaço, a transformação pode acontecer, algo novo pode nascer, seja lá o que for: sentimentos, ações, formas de ser, formas de pensar, de se relacionar, de viver.

É importante termos coragem de ser imperfeitos, abraçar e assumir nossa vulnerabilidade. Estudos da cientista Brené Brow apontam que as pessoas que mais se expõem são, obviamente, mais criticadas do que aquelas que se calam, mas, em compensação, são mais autênticas e realizadas.

Muitas vezes passamos a vida sem ousar, esperando a perfeição, sacrificando relacionamentos, desejos, propósitos e perdendo oportunidades irrecuperáveis (ou quase irrecuperáveis, ou recuperáveis com esforço redobrado). O indivíduo que busca a perfeição nunca se sente satisfeito e orgulhoso de si mesmo. Isso gera angústia, ansiedade, depressão e baixa autoestima por ele nunca ser e fazer o suficiente, já que o mínimo suficiente é a perfeição.

Então, podemos passar essa vida sem ousar e, consequentemente, sem realizar, por puro medo de errar e pelo desejo de ser sempre perfeito. Brené Brow diz que na tentativa de neutralizar a vulnerabilidade, os EUA acabaram por desenvolver uma geração adulta mais endividada, obesa, viciada e medicada da história. E isso, posso dizer, definitivamente não é sinal de “sucesso”, e nem de saúde.

E quando erramos, rir dos nossos erros, que não são fatais, pode ser um sinal de sabedoria. O humor, o rir de si mesmo, é uma arte que em alguns parece ser natural, mas que todos nós podemos desenvolver. Rir dos nossos erros deixa a vida mais leve, ajuda a nos desapegarmos da culpa, do erro, da dor por ele gerada e facilita o recomeçar.

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Desejos para 2020 parte 3: coragem para errar

O MEDO, A CORAGEM, A ANGÚSTIA E A LIBERDADE PARA MUDAR

Coragem para mudar, angústia e liberdade de escolha, coragem de errar

“O pensar protege contra o erro, mas conduz à petrificação […] Aquele que prefere pensar a sentir deixa seu sentimento apodrecer na escuridão. Ele não amadurece” (Jung, “O Livro Vermelho”).

Aprendemos mais com nossos erros ou com nossos acertos? As teorias são controversas, mas, antes de ser bom ou ruim, errar é essencial para o aprendizado. Segundo Piaget (psicólogo que formulou uma das mais importantes e influentes teorias do desenvolvimento infantil), é na tentativa e erro que aprendemos, como indivíduos e como espécie, como fazer: o bebê aprende a pegar um sabonete escorregadio, ou uma criança aprende a amarrar seus sapatos na tentativa e erro. A maneira como lidamos com nossos erros e como somos ou não estimulados a tentar, apesar deles, torna o indivíduo mais ou menos tímido, mais ou menos ousado diante da vida. Muitas vezes é necessário ser mais tímido, mais precavido, outras, mais ousado. O ideal é que possamos ter a maior possibilidade de escolha possível frente a cada nova situação que a vida nos apresenta.

Avaliar as possibilidades, os riscos e as consequências é importante para se fazer a melhor escolha possível naquele momento. Avaliar a chance de dar certo, o tamanho do dano a ser causado se der errado, o tamanho do bem se der certo, é algo a ser considerado. Por exemplo, se eu for um sujeito tímido, com dificuldade de falar em público, propor-me, em 2020 (promessa de ano novo!!), a dar uma palestra sobre o meu serviço em uma empresa é um desafio de nível médio. O dano, na pior das hipóteses, é relativamente baixo: podem falar mal de mim, me julgarem, não comprarem o serviço que estou oferecendo. Se tudo der certo, podem comprar meu serviço, me indicar para outras empresas, fazendo com que meu negócio cresça, desenvolvendo minha autoestima e minha segurança em falar em público. O que considero um ótimo resultado. O desafio é médio. O dono baixo, o ganho alto… um risco que, ao meu ver, vale a pena ser encarado.

Mas meu desafio pode ser alto, como largar meu emprego CLT, estudar e planejar muito para abrir um negócio próprio com que sempre sonhei. Nesse caso o risco também é alto, a pior das hipóteses pode me deixar sem trabalho e sem dinheiro se, por exemplo, meu negócio falir. Se tudo der certo, por outro lado, ganho dinheiro fazendo o que gosto, realizando-me pessoal e profissionalmente, um ótimo ganho. Vale o risco? Como saber?

É importante avaliar as possibilidades, mas às vezes avaliá-las não nos traz a resposta. Então deixamos nosso pensamento logico de lado e buscamos seguir nossa intuição: o que nosso coração nos diz? Podemos estimular nossa intuição, nosso inconsciente criativo: a psicoterapia, estimulando o hemisfério direito do cérebro através da fala não racional, do olhar, dos sonhos, da meditação, de trabalhos corporais e atividades plásticas, ajudam a nos conectarmos com essa outra “dimensão”, a dimensão intuitiva, criativa. As respostas não analíticas vêm para complementar, para auxiliar o indivíduo no seu dilema.

Mas será que nossa intuição sempre nos mostra o “caminho certo”? Von Franz, terapeuta junguiana, diz que nem sempre, mesmo porque algumas vezes é difícil distinguir intuição genuína da manifestação da mente racional disfarçada (mecanismo defensivo exagerado a favor da não ação por medo, por exemplo). Como eu já coloquei antes, não temos controle sobre tudo, apenas desejamos tê-lo.

Então, às vezes é necessário, após ponderar o que for possível, não levar tudo tão a sério e se jogar. Ousar é saudável e necessário, tendo sucesso ou não. Os bebes “engatinhantes” ousam se levantar e andar a todo instante: ousar é um instinto de vida inerente a todo ser humano! É preciso dar espaço a esse impulso de ousar para nos desenvolvermos, para vivermos nossas vidas ao invés de passarmos pela vida meramente sobrevivendo.

Mas outra vez venho confrontar: as vezes o ato de coragem não é em mudar, há aqueles que sempre mudam, a todo segundo. Talvez para esses, o ato de coragem seja justamente o oposto, seja permanecer. A coragem em ousar ficar, em enfrentar a situação, sustentar atenção desconfortável em que se encontra. Arriscar-se ao novo é também permanecer aonde está. Por exemplo, para uma mulher que a todo conflito conjugal rompe com seu parceiro em busca de uma nova relação que a “satisfaça” e que a “enriqueça” mais emocionalmente, a coragem pode ser frear seu impulso de sair correndo e ficar com seu parceiro. A coragem seria enfrentar o desafio de buscar satisfação e enriquecimento emocional na troca, na presença e nas dificuldades que esse relacionamento lhe traz.

O arriscar-se, o confortável, o conhecido e o desconhecido pode ser lá longe, ou aqui mesmo, bem pertinho ou mesmo dentro de nós. E não temos uma bola de cristal para nos aconselhar certeiramente o “caminho certo”. É preciso ter coragem de errar para viver. Ou, ouso dizer, viver é uma eterna coragem de errar, estando consciente ou não desta afirmação e das escolhas que fazemos, dia a pós dia, e dia-a-dia.

Ousar mudar, ousar ficar, ousar errar: isso é um ato de coragem por si só.